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26 agosto 2022

 



O sofrimento da mulher negra não tem nada de lindo. Nos chamar de guerreira, amplia a viabilidade de nos oprimir. Meritocracia, é uma tecnologia útil para entorpecer, dentre muitos, as mulheres negras, para que elas acreditem que as múltiplas habilidades que elas desenvolvem para existir seja algo costumeiro a todos. Mentira, é exaustivo viver no nosso corpo e construir subjetividade positiva sem representatividade. Não nos vemos em posições de destaque, de poder, de talento, de competência devido a colonialidade. Nossas possibilidades são podadas diariamente, de forma crescente e continua. 

Viola se desnuda nesse livro. Sua mãe, Alice Davis é uma sobrevivente, não encontro outra palavra para descrevê-la. Resiliente é pouco, forte é injusto. Uma mulher retinta e pobre alvo, de ataque inclusive de professora negra de pele clara que a chamava de caipira de “cabelo duro”. Sob o exemplo da vontade de sobreviver de sua avó e mãe, Viola construiu estratégia para própria sobrevivência. 
As violências vividas por meninas e mulheres pretas da diáspora negra pode ser similares. Na idade escolar, meninos negros pobres provavelmente de criação machista e veem meninas negra como alvo ideal para reproduzir perversidades. A miserabilidade da família de Viola que incluía coabitar com ratos em casa sem aquecimento, sem água para banho, sem roupas adequadas, com fome, o emprego mal remunerado, violência doméstica, drogadição.
Viola aborda o colorismo que é um dos tentáculos do racismo. Sem pudores ela fala sobre ser uma mulher retinta em uma sociedade que associa esse tom de pele a tudo que é negativo e errado. Cor/tom de pele é critério de desempate. Foi a atriz Cicely Tyson com sua linda pele retinta, lábios carnudos, maçãs do rosto pronunciado e cabelo afro bem cortado estrelando na televisão, que Viola Davis encontra seu propósito de vida, ser atriz.


Venceu concurso de teatro em seu bairro, foi bolsista na faculdade, foi estudante da Juiliard, estreou diversos monólogos, conheceu a África... tudo isso trabalhando em múltiplos empregos, chegando a ter quatro ao mesmo tempo, sendo arrimo de família, abrigando familiares vítima de violência doméstica, dinheiro limitado para pagar aluguel.
Viola e as mulheres retintas sonham em serem enxergada socialmente como aptas a receber amor romântico, serem tratada com carinho, afago e dengo. Após experiencias traumatizantes ela desejou, orou e encontrou Julius. Julius tinha a disposição de defendê-la do perigo, tinha o cuidado de ligar para saber se ela chegou bem, a acompanhava nos eventos sociais, ele escolhia estar ao lado dela. O sucesso na carreira, o amor da maternidade é descrito a possibilidade de ajudar sua família, viver para ver seu pai se transformar e se redimir. Um livro verdadeiro que nos leva a complexos níveis de reflexões. Todos deveriam ler. 

10 agosto 2022

Publicado pela primeira vez em 1981 período da ditadura militar. Segundo Moura, os que descreveram a história da escravidão omitiam o protagonismo do negro escravizado no movimento pela liberdade. Omitiam o quão violento foram os escravizadores. 

A escravidão negra não foi uma mera categoria econômica substituída pelo proletariado. Foi uma instituição perversa onde seres humanos era transformados em coisas, comercializados e tratados com crueldade inimaginável. Nunca houve passividade do escravo e benevolência dos senhores. A legislação validava a violência repressora investida contra os negros, foi criado milícias, a figura do capitão do mato e construído um arsenal de instrumentos de tortura. 

O movimento quilombola, não foi um fenômeno esporádico. Tem importância histórica e social. Palmares chegou a ter 20 mil habitantes, o Quilombo de Campo Grande/MG cerca de 10 mil ou mais. Recebiam os negros que resistiam ao sistema escravista, os oprimidos da sociedade como fugitivos do serviço militar, criminosos, indígenas, mestiços, negros marginalizados. Os quilombolas realizaram de insurreições negras urbanas como o Levante Negro de 1756 em MG a grande insurreição negra dos Malês em 1835 em Salvador.

Se organizavam como uma verdadeira República. Tinham governo, religião, propriedade, família e sistema econômico. Se articulavam com riqueza social e um sistema solidário de cooperação. Havia abundância de frutas, criavam galinhas e porcos e no sistema escravocrata estavam submetidos a privação de alimento, castigos físicos e trabalho exaustivo. 

A força policial fazia verdadeiras carnificinas. Interrogavam, matavam, torturavam. A meta era dizimar os líderes e destruir a estrutura dos quilombos Zumbi, Joao Mulungu, Ganga-Zumba, Preto Cosme e vários outros lideraram movimento anti escravista. 

Os esforços, as revoluções e a resistência dos negros desde o século XVII ficou a sombra do movimento abolicionista que é tardio, do século XIX, contudo levaram os créditos pela abolição. Abolicionistas eram contra a escravidão, mas não contra o racismo. Descreviam os negros como bárbaros selvagens, incapazes de tomar decisões sobre o próprio destino. Na cara de pau, excluíram o negro como agente histórico de sua liberdade e ainda exploravam o trabalho dos quilombolas em proveito próprio. 

Quilombos são polos de resistência que de várias formas e níveis de importância se levantaram contra a escravidão. Clovis Moura ficou me devendo falar mais sobre as mulheres nessas revoluções. Leitura recomendada. 


08 agosto 2022

Solitária

 



Eliana Alves Cruz, uma das maiores romancista brasileiras e retratista do Brasil está com um novo romance.Solitária é um livro que provoca o leitor a fazer reflexões sobre armadilhas sociais e raciais presente em nosso cotidiano. Eliana usa uma lupa e a amplia realidades nos ajudando a enxergar melhor.
Ao contar a história de algumas famílias destaca-se a exploração de mulheres negras. Eunice é uma mulher casada, tem uma filha e trabalha como empregada doméstica em um bairro nobre. A filha da Eunice, a Mabel ainda criança foi incumbida a ser babá de Camila, filha da patroa da mãe. Irene aos 11 anos de idade é retirada do interior para trabalhar em casa de família na capital. Dadá tinha 10 anos quando foi trabalhar na casa de dona Imaculada e foi explorada por décadas. Luiza precisa do emprego e se vê obrigada a levar seu filho Gilberto um menino alegre de riso fácil para a casa dos patrões.
O marido da Eunice sucumbe as opressões de sua existência como um homem negro em uma sociedade racista. Jurandir é aquele que é parceiro e não deixa os seus na mão, de forma inusitada ele consegue ajudar a Mabel atingir seus objetivos. Joao Pedro expõe suas indignações do cotidiano e nem sempre agrada a todos, mas ele nem liga.
As histórias vão se desenvolvendo e tomando diferentes rumos e desdobramentos. Não há somente tristeza, temos romance, alegrias, amor, vitórias e finais felizes. Os percursos é que são cheios de pedras. O anseio por justiça tira muitos da inércia e para pedir justiça e revoluções acontecem.
Os brancos se protegem historicamente assim cito dois casos reais para exemplificar: Sari Cortes Real, envolvida na morte de um menino negro de 5 anos, filho da empregada doméstica foi condenada apenas 8 anos, porém o juiz Edmilson Cruz Júnior, nega o pedido de prisão. Margarida Bonetti escravizou uma mulher negra por 20 anos nos EUA onde morava. Foi condenada, fugiu para o Brasil e se “esconde” na casa que era de seus pais. O marido Renê Bonetti também foi condenado, mas por ter nacionalidade americana teve prisão decretada. Dessa forma, governo brasileiro no período do governo de Fernando Henrique Cardoso planejou colocar Rene em um cargo de chefia do Sistema de Vigilância da Amazônia, um projeto de defesa do espaço aéreo da região, em uma jogada para lhe devolver a nacionalidade brasileira e ele então pudesse vir para o Brasil.
O livro traz diversas situações em que parece que a vida imita a arte ou seria que a arte imita a vida? Não tem como contar mais devido a risco de spoiller. Leitura intrigante. Super recomendo.