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19 junho 2020

A Nova Segregação - Racismo e encarceramento em massa



            Escrito pela advogada Michelle Alexander, uma afro estadunidense que destrincha e escancara os detalhes do encarceramento em massa dos negros nos Estados Unidos, principalmente dos Homens. Inúmeras pesquisas são apresentadas, todo conteúdo  é fundamentado e contextualizado. 

 

O encarceramento em massa criou e mantém uma susbcasta racializada em meio a uma promessa de neutralidade racial, de não ver cor e sim o crime “colorblindness”.

 

Na história dos  EUA há três grandes sistemas de controle social racializado que a cada época renova as “regras do jogo” e mantém o privilégio branco:

·      Escravidão

·      Jim Crow

·      Encarceramento em massa

 

Ser negros nos EUA tem diferentes significados a cada sistema:

·      Na escravidão -  escravo

·      No Jim Crow -  cidadão de segunda classe

·      No encarceramento -  criminoso

 

O branco pobre participou ativamente de todos os processos. Era submetido a um “suborno racial” ou como dizia W.E.B. Du Bois ele recebia um “salário psicológico”. Mesmo sofrendo opressões, a ínfima vantagem cedida pela elite já era suficiente para o gozo de não ser negro. E desse jeito a elite interrompia possibilidades de aliança com o negro. Grandes fortunas foram construídas com brutalidade, tortura e coerção de outros seres humanos.  Com o fim da escravidão e a economia entrou em colapso e ter pele branca era um consolo.


No Brasil temos o pobre que clama pelo o fim do SUS, da Universidade Publica e do bolsa família para o que o negro não tenha acesso, mas ele também depende desses serviços.

 

Dentro do “código de pretos” ciaram a lei da vadiagem e todos os pretos e pardos acima de 18 anos que não tivesse emprego formal poderiam ser presos e trabalhariam força. Qualquer mínimo “delito” como o de olhar para um branco poderia resultar em prisão e trabalho forçado.

Foto da Internet

 

    A Reconstrução (1863-1877) abolia a escravatura, dava cidadania integral as afro-americanos, “igualdade perante a lei”, direito a voto entre outras coisas. Expandiu-se os “Departamento de Libertos” que forneciam comida, roupa, combustível para escravos e indígenas.

Me fez lembrar das nossas irmandades como a Sociedade Protetora dos desvalidos fundada em 1832 e que funciona até hoje no Pelourinho em salvador.

 

A taxa de alfabetização dos negros elevou-se e começaram a votar em grande número. A hostilidade à Reconstrução ganhou força à medida que os afro americanos obtinham poder político. Os brancos reagiam com pânico e indignação. Eles precisavam “redimir” o Sul e contaram com a potência da Ku Klux Klan e sua campanha terrorista com bombas, linchamentos e violência contra multidões.

Foto da Internet

 

Leis de segregação foram bem aceita. O brancos pobres direcionavam sua raiva e frustrações contra seus “competidores” negros. 

Jim Crow nasce com a proposta do “separados mais iguais”. 

Foto da Internet

 

Na década de 1950 os movimentos de direitos civis efervesciam com boicotes, marchas e ocupações contra o sistema Jim Crow. 


Enfrentaram mangueiras de incêndio, cães policiais, bombas e espancamentos vindo dos movimentos brancos e da polícia. Houve muitas prisões de mulheres, homens e crianças. Em 1964 a lei dos Direitos Civis desmantelou o sistema Jim Crow. O número de votantes subiu largamente, crianças negras podiam ir a lanchonetes, parque de diversão e usar bebedouros entre outros ganhos. Porém a grande maioria dos negros permaneciam relegados a pobreza.  

 

Martin Luther King

Os proponentes da hierarquia racial tentaram instalar um novo sistema de casta racial aceitável que exigisse “lei e ordem” ao invés de “segregação sempre”. 


Nova roupagem para o mesmo objetivo. Então o encarceramento em massa entra em ação e prendem brancos também, porém numa proporção absurdamente menor, mas o suficiente para alegarem que “todos” podem se encarcerado.


A mídia como grande aliada, usava imagens de criminosos negros pra criar um estado de pavor. Os políticos que prometiam “combate ao crime”. 

 

Os presidentes:

- Kennedy em 1963 ouviu a comunidade negra e prometeu erradicar a pobreza. Foi assassinado.

-:Lyon Johnson substituiu Kennedy e e prometeu um Projeto de Lei de oportunidade econômica.

- Nixon dedicou 17 discursos falando exclusivamente da “lei e ordem”, criminalizou os negros e porto-riquenhos.

- Ronald Reagan oficializou a “Guerra as drogas” em 1982

- Bush foi um ferrenho opositor aos direitos civis e políticas afirmativas. 

- Clinton em um discurso disse: “Eu posso ser chamado de muitas coisas, mas ninguém pode dizer que sou brando com o crime”

-Obama (snif) também financiou a “Guerra as drogas” e não fez tanta oposição quanto se esperava.

Foto da Internet

 


As elites diziam ao branco pobre que eram eles quem pagavam pela assistência social do negro desempregado aumentando a hostilidade e ressentimento racial. Regan repetia a história de uma “rainha da assistência” (a mãe negra, preguiçosa do gueto) que teria oitenta nomes, trinta endereços, e doze cartões de seguridade social acumulando 150 mil dólares livre de impostos. No Brasil há quem afirme que mães pretas engravidam “propositalmente” para receber bolsa família

 

O desemprego disparou devido a transferência das fábricas para países onde não havia sindicato e assim era possível pagar miséria aos trabalhadores. O avanço tecnológico também dispensou muita gente.

Foto da Internet

 

A guerra a drogas estava na mídia com “as putas do crack”, “os bebes do crack”, “o traficante do crack”. Mas como as drogas chegaram as ruas? Há teorias que a própria CIA implantou as drogas nos guetos e bairros negros pois em 1982, quando a guerra foi declarada, esse não era um problema relevante. Motoristas brancos alcoolizados matavam e morriam muito mais.

 

Negros e brancos vendem drogas de forma proporcional, mas nas grandes cidades cerca de 80% dos jovens negros tem antecedentes criminais por envolvimento com drogas. Uma vez que se tenha uma ficha criminal, independente da gravidade do crime, como por exemplo portar 3 cigarros de maconha, se for negro, entra em exílio social dentro e fora das prisões. Não podem se candidatar a projetos de habitação pública ou podem ser expulsos pelos senhorios, não recebem vale alimentação, perde habilitação, há uma lista de profissões que não pode exercer nunca mais, não pode votar, não pode ser jurado, se não tiver emprego volta pra cadeia, se não tiver dinheiro de passagem e faltar ao encontro com o agente da condicional, volta pra cadeia...

 

É um circuito da marginalidade perpétua. Banidos da sociedade e da economia. 


A polícia e a promotoria são completamente livres e amparados pela lei pra fazer o que julgarem apropriado. Qualquer pessoa pode ser revistada e ser levada pra cadeia pela polícia e o promotor pode ampliar ou reduzir o número de crimes. E só podem ser processados por racismo se eles próprios afirmarem que foram racistas. São autorizados legalmente a usar informantes anônimos ou informantes pagos pela polícia e se esses denunciarem a prisão é legitima. Justiça criminal se quer é debate das grandes plenárias. Quem questiona, comete suicídio político.


Negros não podiam ser júri pela alegação de que faltava inteligência, experiência e integridade. Após os direitos civis essas alegações não podiam mais ser usadas e os jures negros eram eliminados porque tinham barba, o cabelo era comprido demais, era muito quieto ou muito falante... toda desculpa é legalmente aceita para eliminar um júri negro.

 

Foto da internet

Empresários multiplicaram negócios e lucros com a construção e manutenção de presídios. O Pentágono ofereceu inteligência militar e 1,2 milhões em equipamentos. A Swat ampliou a equipe e invadem conjuntos habitacionais ou escolas com aparatos de guerra.  Jogam bombas, fazem disparos, destroem residências e não são responsabilizados.


O dinheiro apreendido em investidas policiais poderia ser apropriado para uso na guerra contra as drogas assim como tomar casa e carro, qualquer pertence. Há registro de apreensão de 93 centavos.  Itens de propriedade poderia ser “culpado” por um crime e confiscado. Ex. se der carona a alguém que fume maconha, o carro é um criminoso transportador de maconheiro e poderá sofrer apreensão.

 

Odiar negro não é aceito socialmente, mas odiar e hostilizar criminoso é incentivado. O nosso famoso “bandido bom é bandido morto” (mas sabemos que depende da cor do bandido).

 

O encarceramento para a maioria dos casos não reabilita, só deixa traumas e um caminho de fracasso. Pouco se investe na saúde pública, ressocialização e na ampliação das ações afirmativas.

 

Os advogados da defensoria pública são mal pagos e gastam apenas alguns minutos com o acusado, antes dele se apresentar ao Juiz. Costumam pedir para que o acusado assuma a culpado mesmo sendo inocente, para não ir a julgamento e correr o risco de pegar uma pena grande. Muitos não sabem que ao assumir a culpa pelo que não fez, deixam de ser cidadão na integra.

 

A destruição da família preta foi o que mais me comoveu. Na escravidão vendiam, separavam, trocavam o nome. Em tempos de “suposta liberdade” encarceram. 

Mãe/avó que acolhe o filho/parente após a prisão, corre o risco de ser expulsa do imóvel se ele for pego ou denunciado por algum informante de estar com drogas.

A mulher negra ou homem negro que tenham filhos crianças e são encarcerados e as crianças entregues para adoção e não tem direitos a benefícios sociais.

Os que trabalhavam tem gigante de taxas para pagar. Deram um exemplo de uma mulher negra que trabalhava de dia e dormia no presídio e 100% do seu rendimento era para pagar as despesas do presídio. Se não pagasse a sentença mudaria.

 

A família é sufocada pelo silêncio. A igreja se torna um lugar de julgamento e não de conforto, vizinhos, familiares, colegas de trabalho, quem tem familiares em situação prisional não fala sobre o assunto.

 

    Para conseguir emprego é necessário marcar o quadradinho (se tem antecedentes criminais ou não) o que faz que não sejam aceitos mesmo com qualificação. Se assemelha a nossa tornozeleira eletrônica. Os guetos ficam distantes das oportunidades de empregos, gasta-se de transporte o que se ganha no dia de trabalho.


    O livro não deixa de falar dos problemas internos dentro da militância na comunidade negra. Falam dos que  não agregaram a luta, dos progressistas que faziam alianças comprometedoras, das expectativas em relação ao Obama e um fato curioso:  


    Seguindo o estereótipo de "pessoa de bem" na época da segregação, Rosa Park não foi a primeira mulher negra a se negar a dar lugar para um branco em um ônibus, houve por exemplo Claudete Colvin que aos 15 anos fez esse ato resistência. Não a usaram como emblema de luta porque ela engravidara de um homem adulto e Rosa era religiosa, estudada, culta, pacata então atrairia melhor visibilidade 

Claudete Colvin

 

A pele Negra é marcada por estereótipos como: predador, indisciplinado, agressivo. Hostilidade e punitivismo andam lado a lado, para os não brancos. 


O pacote anti crime recentemente proposto no Brasil contém vários elementos da justiça criminal americana. 

Leiam o livro!

Michelle Alexander


12 junho 2020

O Movimento Negro educador - Saberes construídos nas lutas por emancipação.

                  

Nos últimos dias ocorreram atos antirracista em vários países pelo mundo. Uma reação ao assassinato a sangue frio e em via pública de um homem negro estadunidense chamado George Floyd. Em protesto incendiaram a delegacia de Mineápolis/EUA. E então uma pergunta ficou no ar: por que o Movimento negro brasileiro não faz o mesmo?

 

Deve-se ter em mente que a diáspora não pode ser igualada. Cada país teve seu processo de colonização como por exemplo o Haiti, Brasil, Colômbia, Cuba... Todos  usaram mão de obra escravizada sequestrada de África e possibilidades de (re) existência foram construídas de forma diferente. O que os iguala é o racismo e a crueldade imperialista que massacrou corpos, identidades, violou crianças, abandonou idosos.

          Foto da Internet

O livro fala da trajetória do movimento negro enquanto educador. 

Escrito em um período de grandes mudanças políticas devido ao Golpe disfarçado de impeachment. Foi início de uma era de retrocessos e realinhamento de políticas neoliberais. 


Uma das primeiras ações dos golpistas foi, extinguir o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial. Da Juventude e dos Direitos Humanos. 

                                Foto da Internet

O movimento negro tem sido o protagonista de muitas vitórias. A inclusão do racismo como crime inafiançável na constituição Federal e a obrigatoriedade do estudo da história afro-brasileira e africana nas escolas públicas e particulares são alguns exemplos. 


O debate racial foi ampliado e hoje somos gratos a todos que na época da ditadura militar foram perseguidos, espancados e mortos pela luta antirracista.

                                    

     

A autora não se prende em conceituar o que é ou que não é o movimento negro, mas se importa em compreender a potência desse movimento social e destacar as dimensões mais reveladora do seu caráter emancipatório, reivindicativo e afirmativo. Ele é o grande produtor, sistematizador e articulador de saberes. Educa pessoas, coletivos e instituições sociais.


Escolheu focar na educação por ter sido um direto sistematicamente negado por muito tempo as negras e negros brasileiros. A condição de desigualdade que o negro se encontra nunca foi uma simples coincidência ou uma mera sequela inevitável da escravidão, mas sim fruto de um complexo sistema racista, uma aliança entre a elite, estado, o judiciário e a igreja que intencionalmente dificultavam a transição do ex-escravo/livre para cidadão.

                                  

O início do século XX foi o ápice do racismo científico que atribuía a população negra o lugar de inferioridade. Surge na mesma época a imprensa negra, Jornais que tentam romper com o imaginário racista construído no final do século XIX. Em 1931 a Frente Negra Brasileira  visava educação e integração do negro na vida social político e cultural e principalmente na denúncia ao racismo. 


O Teatro Experimental Negro (TEN) nasceu em 1944 para contestar a discriminação racial, formar atores e dramaturgo. O TEN alfabetizava seus participantes recrutados entre empregada doméstica, favelados e operários. 


Em 1978 surgiu o Movimento Unificado Contra a Discriminação Étnico-Racial (MUCDR) que foi rebatizado como Movimento Negro Unificado (MNU). Organização tem caráter nacional e tem a educação e o trabalho como principais pautas. O MNU talvez seja o principal responsável pela formação de uma geração de intelectuais negros que se tornaram referência acadêmica na pesquisa sobre relações étnicos-raciais. 

                             

Apenas em 2001 que o Brasil reconheceu pela primeira vez internacionalmente a existência institucional do racismo. Desde então o movimento negro intensificou o processo de politização e ressignificação da raça. 


É necessário construção de uma nova pedagogia, a pedagogia das ausências. Tudo que fora silenciado e desprezado pelo Norte Global com seu epistemicídio deveria ser revisto. O saber civilizatório e a ciência negra/indígena devem ser usados para educar e humanizar. É através de nossa história que vamos construir nossa identidade. 


Raça é uma construção política e social e o racismo organiza um sistema de poder econômico de exploração e exclusão segundo Stuart Hall, citado pela autora.


Ressignificar o 13 de maio nas escolar e ensinar sobre Zumbi de Palmares e o 20 de Novembro é nos fortalecer.


A estética corpórea negra ocupa um local central como educador. O imaginário social é construído baseado em estereótipos para desqualificar, inferiorizar o negro aponto dele próprio  negar sua existência ou até mesmo negar a existência do racismo. Regulados por um padrão branco europeu o negro já nascia “com defeito” (grifo meu). 


Cor de pele, tipo cabelo, formato de nariz, formato de corpo são definidores de beleza. 


Em meio ao processo de auto reconhecimento o capitalismo não da trégua e toma pra si símbolos étnicos, esvazia-os do seu sentido político e os transforma em mercadoria. 


O mercado não abre mão da opressão. 


Eu, levei algumas décadas para amadurecer e deixar meus cabelos naturais. Acompanhei o mercado se recusando a usar o nome crespo nas embalagens e não contratar modelo com minha cor. Em viagens aos EUA eu pude comprovar o que já havia lido nas redes sociais sobre a manutenção da criminalização das consumidoras de produtos para pele e cabelo crespo.

     

A presença do corpo negro em espaço de poder como as universidades causou estranheza. No período de aprovação da política de cotas um grupo intitulado de “113 antirracistas contra leis das cotas raciais" descortinou o véu da hipocrisia. Se diziam progressistas mas usavam o argumento perverso do “mérito” e da “competência”.  Encabeçam estratégias para manter a exclusão do negro das universidades e contavam com todo apoio da mídia hegemônica. Que nos sirva de alerta. Alianças antirracistas se estremece quando conquistamos poder.


Eu me recordo que uma professora de um instituto Federal do Rio de Janeiro que escreveu um longo texto nas redes sociais dizendo que se espantou ao entrar na sala de aula  e se deparar com alunos e negros. Alegou que os aprovados em uma das provas mais concorridas do Rio de Janeiro mal sabiam segurar um lápis e que teve vontade de sair correndo e perguntar para o STF o que faria com esses negros (porque alunos eram os outros).


O espaço universitário tem que se reinventar para a permanência do novo tipo de aluno. Brancos e negros no Brasil não se encontram tanto. O imaginário construído a respeito dos negros e indígenas de que são vítimas, “sem cogito” faz parte de uma ideológica racista. O ideal da brancura estava sendo questionado. A descolonização dos currículos e do conhecimento iria acontecer.


O movimento negro não caminha sozinho, ao seu lado estão os movimentos sociais como o movimento de mulheres negras, sindical, Feminista, Trabalhadores sem Terra, Indígena, LGBT e a autora faz uma observação, cada um tem as suas pautas e o ideal seria se essas pautas pudessem se a articular em uma comunicação dinâmica em pro de um objetivo comum que é lutar contra o racismo, patriarcado, o capitalismo, as discriminações, a colonização do poder, do ser e do saber.


Os saberes emancipatórios indagam a pedagogia reguladora e conservadora. A educação de um modo geral deveria ser campo por excelência a construir muitas entradas e saídas nas fronteiras que nos separam.


Com a emancipação do negro, toda a sociedade evolui.