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05 abril 2023

A outra garota Negra

 




A outra garota Negra é um livro da escritora norte americana Zakiya Dalila Harris lançado em 2021 e conta a História de Nella Roger uma jovem editora assistente e única funcionária negra da Wanger Books até achegada da outra garota negra, Hazel. 

Nós mulheres negras, muitas vezes, únicas em muitos espaços sociais nos sentiríamos como Nella e ficaríamos excitadas de ter mais uma garota negra no ambiente de trabalho, o que poderia significar ter um porto seguro.
Hazel tinha todos os
 elementos para ser a parceira ideal até que ela incentiva Nella a enfrentar abertamente a chefe, uma mulher branca e um escritor branco sobre a escrita racista de um livro a ser lançado. Sabemos do perigo ao ativar a fragilidade branca e Nella correu esse risco achando que estava fazendo a coisa certa, só que Hazel não tinha boas intenções e conhecendo os modos operandi do racismo colocou intencionalmente a amiga em apuros enquanto galgava destaque na empresa. No Brasil nós chamaríamos a situação de “síndrome do preto único”. 

Um livro tem uma narrativa instigante que infelizmente é interrompida por trechos mais lentos. Eu esperava um final mais emocionante, mas o conjunto da obra é bom.

Zakiya Dalila Harris



26 agosto 2022

 



O sofrimento da mulher negra não tem nada de lindo. Nos chamar de guerreira, amplia a viabilidade de nos oprimir. Meritocracia, é uma tecnologia útil para entorpecer, dentre muitos, as mulheres negras, para que elas acreditem que as múltiplas habilidades que elas desenvolvem para existir seja algo costumeiro a todos. Mentira, é exaustivo viver no nosso corpo e construir subjetividade positiva sem representatividade. Não nos vemos em posições de destaque, de poder, de talento, de competência devido a colonialidade. Nossas possibilidades são podadas diariamente, de forma crescente e continua. 

Viola se desnuda nesse livro. Sua mãe, Alice Davis é uma sobrevivente, não encontro outra palavra para descrevê-la. Resiliente é pouco, forte é injusto. Uma mulher retinta e pobre alvo, de ataque inclusive de professora negra de pele clara que a chamava de caipira de “cabelo duro”. Sob o exemplo da vontade de sobreviver de sua avó e mãe, Viola construiu estratégia para própria sobrevivência. 
As violências vividas por meninas e mulheres pretas da diáspora negra pode ser similares. Na idade escolar, meninos negros pobres provavelmente de criação machista e veem meninas negra como alvo ideal para reproduzir perversidades. A miserabilidade da família de Viola que incluía coabitar com ratos em casa sem aquecimento, sem água para banho, sem roupas adequadas, com fome, o emprego mal remunerado, violência doméstica, drogadição.
Viola aborda o colorismo que é um dos tentáculos do racismo. Sem pudores ela fala sobre ser uma mulher retinta em uma sociedade que associa esse tom de pele a tudo que é negativo e errado. Cor/tom de pele é critério de desempate. Foi a atriz Cicely Tyson com sua linda pele retinta, lábios carnudos, maçãs do rosto pronunciado e cabelo afro bem cortado estrelando na televisão, que Viola Davis encontra seu propósito de vida, ser atriz.


Venceu concurso de teatro em seu bairro, foi bolsista na faculdade, foi estudante da Juiliard, estreou diversos monólogos, conheceu a África... tudo isso trabalhando em múltiplos empregos, chegando a ter quatro ao mesmo tempo, sendo arrimo de família, abrigando familiares vítima de violência doméstica, dinheiro limitado para pagar aluguel.
Viola e as mulheres retintas sonham em serem enxergada socialmente como aptas a receber amor romântico, serem tratada com carinho, afago e dengo. Após experiencias traumatizantes ela desejou, orou e encontrou Julius. Julius tinha a disposição de defendê-la do perigo, tinha o cuidado de ligar para saber se ela chegou bem, a acompanhava nos eventos sociais, ele escolhia estar ao lado dela. O sucesso na carreira, o amor da maternidade é descrito a possibilidade de ajudar sua família, viver para ver seu pai se transformar e se redimir. Um livro verdadeiro que nos leva a complexos níveis de reflexões. Todos deveriam ler. 

10 agosto 2022

Publicado pela primeira vez em 1981 período da ditadura militar. Segundo Moura, os que descreveram a história da escravidão omitiam o protagonismo do negro escravizado no movimento pela liberdade. Omitiam o quão violento foram os escravizadores. 

A escravidão negra não foi uma mera categoria econômica substituída pelo proletariado. Foi uma instituição perversa onde seres humanos era transformados em coisas, comercializados e tratados com crueldade inimaginável. Nunca houve passividade do escravo e benevolência dos senhores. A legislação validava a violência repressora investida contra os negros, foi criado milícias, a figura do capitão do mato e construído um arsenal de instrumentos de tortura. 

O movimento quilombola, não foi um fenômeno esporádico. Tem importância histórica e social. Palmares chegou a ter 20 mil habitantes, o Quilombo de Campo Grande/MG cerca de 10 mil ou mais. Recebiam os negros que resistiam ao sistema escravista, os oprimidos da sociedade como fugitivos do serviço militar, criminosos, indígenas, mestiços, negros marginalizados. Os quilombolas realizaram de insurreições negras urbanas como o Levante Negro de 1756 em MG a grande insurreição negra dos Malês em 1835 em Salvador.

Se organizavam como uma verdadeira República. Tinham governo, religião, propriedade, família e sistema econômico. Se articulavam com riqueza social e um sistema solidário de cooperação. Havia abundância de frutas, criavam galinhas e porcos e no sistema escravocrata estavam submetidos a privação de alimento, castigos físicos e trabalho exaustivo. 

A força policial fazia verdadeiras carnificinas. Interrogavam, matavam, torturavam. A meta era dizimar os líderes e destruir a estrutura dos quilombos Zumbi, Joao Mulungu, Ganga-Zumba, Preto Cosme e vários outros lideraram movimento anti escravista. 

Os esforços, as revoluções e a resistência dos negros desde o século XVII ficou a sombra do movimento abolicionista que é tardio, do século XIX, contudo levaram os créditos pela abolição. Abolicionistas eram contra a escravidão, mas não contra o racismo. Descreviam os negros como bárbaros selvagens, incapazes de tomar decisões sobre o próprio destino. Na cara de pau, excluíram o negro como agente histórico de sua liberdade e ainda exploravam o trabalho dos quilombolas em proveito próprio. 

Quilombos são polos de resistência que de várias formas e níveis de importância se levantaram contra a escravidão. Clovis Moura ficou me devendo falar mais sobre as mulheres nessas revoluções. Leitura recomendada. 


08 agosto 2022

Solitária

 



Eliana Alves Cruz, uma das maiores romancista brasileiras e retratista do Brasil está com um novo romance.Solitária é um livro que provoca o leitor a fazer reflexões sobre armadilhas sociais e raciais presente em nosso cotidiano. Eliana usa uma lupa e a amplia realidades nos ajudando a enxergar melhor.
Ao contar a história de algumas famílias destaca-se a exploração de mulheres negras. Eunice é uma mulher casada, tem uma filha e trabalha como empregada doméstica em um bairro nobre. A filha da Eunice, a Mabel ainda criança foi incumbida a ser babá de Camila, filha da patroa da mãe. Irene aos 11 anos de idade é retirada do interior para trabalhar em casa de família na capital. Dadá tinha 10 anos quando foi trabalhar na casa de dona Imaculada e foi explorada por décadas. Luiza precisa do emprego e se vê obrigada a levar seu filho Gilberto um menino alegre de riso fácil para a casa dos patrões.
O marido da Eunice sucumbe as opressões de sua existência como um homem negro em uma sociedade racista. Jurandir é aquele que é parceiro e não deixa os seus na mão, de forma inusitada ele consegue ajudar a Mabel atingir seus objetivos. Joao Pedro expõe suas indignações do cotidiano e nem sempre agrada a todos, mas ele nem liga.
As histórias vão se desenvolvendo e tomando diferentes rumos e desdobramentos. Não há somente tristeza, temos romance, alegrias, amor, vitórias e finais felizes. Os percursos é que são cheios de pedras. O anseio por justiça tira muitos da inércia e para pedir justiça e revoluções acontecem.
Os brancos se protegem historicamente assim cito dois casos reais para exemplificar: Sari Cortes Real, envolvida na morte de um menino negro de 5 anos, filho da empregada doméstica foi condenada apenas 8 anos, porém o juiz Edmilson Cruz Júnior, nega o pedido de prisão. Margarida Bonetti escravizou uma mulher negra por 20 anos nos EUA onde morava. Foi condenada, fugiu para o Brasil e se “esconde” na casa que era de seus pais. O marido Renê Bonetti também foi condenado, mas por ter nacionalidade americana teve prisão decretada. Dessa forma, governo brasileiro no período do governo de Fernando Henrique Cardoso planejou colocar Rene em um cargo de chefia do Sistema de Vigilância da Amazônia, um projeto de defesa do espaço aéreo da região, em uma jogada para lhe devolver a nacionalidade brasileira e ele então pudesse vir para o Brasil.
O livro traz diversas situações em que parece que a vida imita a arte ou seria que a arte imita a vida? Não tem como contar mais devido a risco de spoiller. Leitura intrigante. Super recomendo.

16 fevereiro 2021

Taca pedra na Geni- Ela é preta

 


Tenho me dedicado a estudar sobre a mulher negra. Patricia Hills Collins traz as teorias de imagem de controle: mammies, matriarcas, mães dependentes do estado, mulas e as sexualmente depreciadas. Antes de Patrícia, Lelia Gonzales já havia descrito três categorias de como a sociedade brasileira interpreta a mulher negra: A mãe preta, a mulata e a mucama. São lugares de subalternização e depreciação dos quais determinam que seja os lugares das mulheres negras. 

            bell hooks em Olhares negros nos chama a atenção de como a mídia usa os próprios negros para ensinar a NÃO amar a negritude. Personagens como Vovozona, Raspucia penetram no imaginário da comunidade negra e diz que um corpo feminino negro é autorizado a ser ridicularizado.

            Sarah Bartmann viveu o extremo ao ter sua imagem e seu corpo exibido, tocado e fatiado após a morte pelo bel prazer do r@(ism0. As vítimas de R. Kelly contaram com uma justiça morosa e a indústria da música dizia que as condutas dele, es%upr0, encaramento e outros tipos de violência eram “assuntos pessoais” do artista, foi Kimberlé Crenshaw que chamou a atenção para um detalhe: as vítimas eram meninas negras. 

            Um tempo atrás fiz uma postagem com umas montagens que fizeram com Stephanie Ribeiro por discordarem dela sobre BBB. Nayara Justino foi comparada ao Zé Pequeno. Thelminha estava dando a entender que era uma lady impecável, médica, rica, em um relacionamento afetivo/romântico estável, em companhia da mãe... então foi acusada de ter muitas amigas brancas.

            Lumena e Karol estão tendo várias atitudes absolutamente reprováveis. Não foram escolhidas à toa para esse reality. Thelminha estava mostrando um lugar onde a mulher negra pode ocupar, o da estabilidade, contudo a mídia não aceita e fez o revés. 

O debate está circulando, mas como camundongos caímos novamente em armadilhas. Uma página com 2 milhões de seguidores tem a única e exclusiva função de depreciar a imagem de uma mulher negra. Mulher essa que já está sendo responsabilizada, e vai responder por todos os seus atos. Ao ver mulheres negras seguindo essa página e me lembrei de policiais que prende o menor infrator negro e coloca algema e bota no interior d viatura. A etapa seguinte seria levar para as autoridades jurídicas para medidas cabíveis. Mas o policial, na maioria negro, acha que tem que dar tapa na cara, quebrar umas costelas pra fazer parte da “correção” do infrator. Montagens com fotos da Karol sem dente em página de branco, que tem retorno financeiro que não vai ser destinado a atividades antirracistas sendo curtida por mulheres negras é mais uma vez a comunidade negra AUTORIZANDO que o corpo feminino negro é pra ser esculachado e não apenas responsabilizados pelos seus vacilos. 

Sigamos 

16 janeiro 2021

O olho mais azul


              Escrito em 1970, O olho mais azul foi o primeiro livro de Toni Morrison.

Abordando temas como raça, racismo, sexismo, menina preta, abuso infantil, colorismo, abandono materno e paterno, auto ódio, a vida sócio econômica da comunidade negra estadunidense entre outros.

Toni tem uma escrita diferenciada, alguns chamam de difícil. A forma como descreve os personagens e a trama não permite que sejamos meros espectadores e sim parte do livro. Sendo um negro em diáspora ou um não negro com empatia.


O romance é narrado por Claudia uma menina negra que vive com seus pais e sua irmã. Após um acontecimento drástico, a família acolhe Pecola. E através dessa personagem a autora anuncia diversas barbaridades que uma menina negra pode ser submetida. 

Esse livro foi colocado no limbo literário. Criticado e rejeitado, levou 25 anos para ter uma publicação respeitosa. O mercado editorial, o jornalismo e a academia não se interessavam nesse tipo de debate. Mas alguém tinha que descrever mesmo que por ficção essa realidade. 


A História se passa em uma família negra com condições financeiras bem limitada. Composta por Claudia, sua irmã Frieda, sua mãe e seu pai. Moravam em uma casa velha, fria e verde. A autora destaca a importância de família negras terem uma casa nos Estados Unidos.  Como sabemos, é uma terra que foi colonizada, os indígenas genocidados e os negros africanos traficados e escravizados. Com esse background, para uma família negra, ter uma casa era o ápice da humanização. Um dos personagens incendeia a própria casa, deixa todos atônitos. O grande terror para um negro era viver na rua e qualquer deslize isso poderia acontecer, comer demais, usar carvão demais, jogo, bebida... Se uma mãe botasse um filho pra fora de casa, a solidariedade ia para o que estaria na rua, independente do que tenha feito. Ser posto pra fora de casa (onde possa se abrigar em outro lar) é diferente de ser posto pra rua. Estar na rua era o fim. Sabendo o significado disso, a comunidade negra tinha uma fome por propriedade e dedicavam toda energia, todo amor a seus ninhos.  


Foto da Internet


Os afrodiaspóricos brasileiros sabem bem o que é não ter um lar. Ações do Estado foram fundamentais para que a comunidade negra brasileira no pós abolição não tivesse mobilidade social e econômica. Mesmo liberto, era submetido a condições similares de quando eram escravizados. O tráfico de escravo foi proibido internacionalmente em 1831. O Brasil aprova em 04 de setembro de 1850 a Lei Eusébio de Queirós que proíbe o tráfico no país. Dias depois, em 11 de setembro de 1850 aprova a lei de terras onde segundo Art. 1º Ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra. Com isso caso houvesse abolição da escravidão o negro só poderia comprar terras se o Estado permitisse. Os ataques bélicos aos Quilombos, destruição dos cortiços, desmonte de favelas sempre esteve na historicidade dos negros brasileiros. O atual governo federal encerrou em definitivo o programa Minha Casa Minha Vida, que por mais que o programa necessitasse de ajustes, era uma das formas que muitas famílias negras brasileiras conseguiam comprar seus lares. 


Foto da Internet


Depois de uma tragédia, Pecola foi morar com a família de Claudia. Como na casa havia um quarto extra, este foi alugado para um inquilino muito solicito, simpático e brincalhão com as meninas, mas na primeira oportunidade tocou no corpo de uma delas, assim o pai  expulsa o violador em defesa da filha

        As três meninas convivem como se fossem irmãs. Frieda e Pecola amavam a atriz Shirley Temples, mas Claudia detestava e falava que gostava mais da Jane Withers. Na verdade, o ódio de Claudia era de saber que nunca seria tratada como uma menina branca, por ser uma menina negra, não seria lida socialmente como encantadora. E se queixava que Bill "Bojangles" Robinson deveria dançar com ela e não com Shirley.


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No Natal o presente mais desejado eram as bonecas Baby Doll com  seus olhos azuis e  cabelos amarelo. Claudia não gostava e chegou a destruir algumas. Desejava a devoção que a boneca recebia, ser chamada de "linda" e outras meiguices. Durante a história as meninas foram na casa onde a mãe de Pecola trabalhava como doméstica, lá Pecola derruba sem querer uma torta e sua mãe a joga no chão, uma criança branca, moradora da casa, aparece na cozinha, a mãe de Pecola a trata com toda ternura possível e promete fazer outra torta. 


O abandono afetivo é uma realidade na comunidade negra fruto do processo racial que são submetidos. As meninas quando conversavam sobre o amor, destacavam que desejariam ser amadas antes do marido a abandoná-las quando elas tivessem adulta.


Na história de Pauline, mãe da Pecola, seus irmãos tiveram a infância interrompida aos 10 anos de idade para trabalhar e já seriam endurecidos pela vida com tão pouca idade. Pauline tinha uma deficiência nos pés e mesmo adolescente já era responsável pela casa e pelos dois irmãos menores enquanto toda família trabalhava. Cholly, o pai de Pecola foi jogado no lixo por sua mãe que havia sido abandonada pelo companheiro assim que anunciou a gravidez. Uma tia que nunca se casou, resgatou Cholly e o criou. Veio a falecer quando ele ainda era adolescente. Cholly se encontrou com uma menina chamada Darlene em um local escuro e quando estavam sem roupa homens brancos o flagraram e humilharam. Exigiram que “terminassem” o que estavam fazendo e por esse episódio, o ódio foi direcionado a menina e não aos racistas. Imaginando que ela poderia ter engravidado, ele fugiu para outra cidade em busca do pai, chegando lá se da conta que nem lembrava o nome da mãe. Andando desnorteado, encontra duas mulheres negras que o acode e resgatam, ele se reconecta com sua masculinidade, se torna um trabalhador e casa com Pauline que passa a ser chamada de Sra. Breedlove. Com a recessão e pouco emprego passa a beber muito. Sra. Breedlove, trabalha como doméstica e a independência financeira da mulher passa a ser um problema e ocorre muitas brigas. A patroa branca, demite Breedlove e não lhe paga o que a deve e coloca como condição para ser readmitida no trabalho “abandonar o marido”, nesse momento Breedlove reflete que a mulher branca a manda escolher entre ser sua serviçal ou ter uma família. 

 

A experiência de Sra. Breedlove na maternidade foi traumatizante, contudo, reflete a realidade das mulheres negras. Havia um grupo de estudante com o preceptor e ao chegarem próximo a Pauline, dispara que “esse tipo de mulher” tem filho sem dor como as éguas, mas ela sentia tanta dor quanto as brancas e não era um animal.


 Pecola era considerada uma menina muito feia. Na escola era ignorada e desprezada por alunos e professores. Os meninos para implicar um com os outros, era suficiente dizer que Pecola gostava de alguns deles. (me conte quem já passou por essa experiência). O auto ódio era alimentado diariamente e foi assim que ela desejou ter olhos azuis. Na verdade, ela desejava amor e paz. Dos adultos recebia olhares de interesse, nojo e raiva. A aversão a sua negritude era explícita e ela era tomada por uma inexplicável onda de vergonha por ser ela mesma. 

 

No inverno a escola recebeu uma nova aluna Maureen Peal, descrita como uma mulata claríssima de cabelos compridos. Foi comparada as meninas brancas pois, era envolta de conforto e cuidados. Os professores sorriam e a encorajavam, os meninos negros não a agrediam nos corredores como faziam regularmente com as meninas negras, as meninas brancas não faziam muxoxo quando estavam no mesmo grupo de trabalho, as meninas negras moviam-se para o lado quando ela queria usar a pia do banheiro. 


Sendo negra não tinha privilégios, mas a pela clara lhe concedia vantagens e passibilidade que Pecola, Claudia e Frieda nunca experimentariam. Na saída da escola Pecola era chamada de “Preta retinta, preta retinta...” como xingamento e a cercavam para lhe bater.  Após uma rápida tentativa de amizade com Maureen, no primeiro desentendimento, essa dispara: “eu sou bonita e vocês são feias, são pretas feias” era a hierarquia da cor de pele. 


Um capítulo do livro é dedicado a explicar um pouco como mulheres negras de pele clara são lidas dentro da comunidade negra afro americana. Cantoras de coral, mas não são solistas, vivem em bairros negros mais tranquilos, cursam escola normal, trabalhadoras, não namoram, mas sempre se casam. São observadas pelos homens que vislumbram um lar cristão com lençóis limpos, flores de papel decorando a casa e a roupa do trabalho engomada, são as escolhidas.


        Nas relações infantis a preferência era brincar com meninos brancos ou os mulatos que eram considerados limpos e silenciosos. Os pretos eram rejeitados para as brincadeiras e taxados de sujos e barulhentos. A linha entre o mulato e o preto oscilava, era preciso estar sempre atento.

As mulheres brancas diziam “Faça isso”. As crianças brancas diziam “Me de aquilo”. Os homens brancos diziam “Venham cá” Os homens negros diziam “Deita”. Meninas e mulheres negras eram colocadas nesses lugares.  


As irmãs descobriram que Pecola havia sido estuprada pelo pai e que havia engravidado. Pescando comentários pelo ar, ouviam que ela deveria ser tirada da escola, que ela era um pouco culpada (tinha só doze anos), que talvez o bebê não sobrevivesse porque a mãe a havia espancado. Nesses diálogos Claudia e Frieda tentavam encontrar alguma manifestação de solidariedade e afetos que eram destinadas as bonecas Baby Dolls, a Shirley Temples ou Maureen. 


Pecola perdeu o bebê e a sanidade mental. As duas meninas se culpavam por não terem conseguido ajudar a amiga.


É uma leitura pesada, de doer o coração, mas alguém tinha que falar sobre isso e Tony Morrison como mulher negra não se calou.


Toni Morrison

10 janeiro 2021

A mulher dos pés descalços

      


Livro escrito para Stefania, a mãe de Scholastique Mukasonga. Uma mãe que tinha uma ambição: ter seus filhos vivos. Scholastique Mukasonga é uma escritora Tutsi  sobrevivente do massacre de Ruanda o qual exterminou a sua família em 1994.

Ruanda é um país que fica no centro da África. Ficou conhecido devido ao genocídio. Composto por três etnias principais Twa,  Hutus e Tutsis. Os Hutus eram maior número e eram agricultores e os Tutsis eram ligados a agropecuária e com isso maior poder econômico. Colonizada inicialmente pela Alemanha, o controle passa os Belgas. Os Belgas incentivaram rivalidades entre as duas etnias usando o argumento da hierarquia de raça. Alegavam que os Tutsis eram superiores porque tinham traços mais próximos do Europeu. A largura do nariz era um dos elementos usados para justificar a superioridade dada aos Tutsis, pois era de uma estrutura mais fina. Os Belgas ofereceram escolarização aos Tutsis  através das missões católicas e chegaram a escravizar os Hutus. Algo que não existia foi implementado: a obrigatoriedade nomenclatura da etnia nos documentos oficiais. 


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Rivalidades políticas e econômicas entre as etnias foram alimentadas. Após queda de um avião em 1994, onde estava o presidente que iria assinar um tratado de paz, foi o estopim para o massacre. Há quem diga que o massacre ja estava planejado antes do acidente. Milícias foram formadas, vizinho matava vizinho e os militares tentavam exterminar os Tutsis. Norte Americanos, Franceses e Belgas, cúmplices reais do massacre deram as costas para a situação. 


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A autora escreveu uma trilogia sobre o genocídio e esse livro  é o que resgata a memória de seus ancestrais, os costumes e as tradições do seu povo. 

    Expulsos de suas terras, sua mãe Stefania, as três filhas mulheres, os dois filhos homens e o marido foram viver em uma área de refugiados e tiveram que adaptar as suas tradições.  Stefania tinha certeza da morte precoce e sua vida mudou completamente. Passou seus últimos meses de vida criando estratégias para manter os filhos vivos.  Para si mesma só tinha um desejo:  que seu corpo fosse coberto por um pano em caso de sua morte.  

        A autora é a única sobrevivente da família pois não estava lá no dia do massacre e não pode cobrir o corpo de sua mãe com pano e decidiu cobrir o corpo com palavras. Em memória da sua mãe livro foi escrito.

Stefania temia o adiantar da morte de seus filhos pela violência a qual a sua comunidade estava sendo submetida sistematicamente. Sem a presentesão de fazer falsa simetria, a cada 23 minutos morre um jovem negro no Brasil, as nossas mães pretas também vivem a angústia de uma possível morte precoce dos filhos . 

A estratégia colonial para adiantar a morte foi parecida da que foi usada com os negros no Brasil. Ao fim da escravidão negra brasileira, impediram que os ex escravizados/libertos e seus descendentes tivesse acesso a terra, educação, trabalho livre remunerado ou qualquer assistência/reparação/indenização. Esperava-se que os negros morressem de alcoolismo e fome. Em Ruanda a etnia Hutus removeu os Tutsis para uma área remota para que fossem dizimados por doenças como a do sono, para que morressem de fome, além das repressões militares que resultavam em mortes violentas.  E como no Brasil, apesar dos pesares, os tutsis sobreviveram. O que os colonizadores subestimam é que o processo civilizatório africano é pautado na solidariedade e comunidade. 

Os militares lembravam aos Tutsis que eles não eram mais humanos, e foram apelidados de "barata". Suas vidas eram descartáveis. Invadiam as casas, saqueavam, aterrorizavam os moradores, quebravam objetos. Uma das lembranças relatadas pela autora, foi um dia em que a família havia terminado o jantar e estavam sentados em suas esteiras ouvindo um irmão ler um livro e pai rezar o rosário. De forma inesperada três soldados entram na casa, pisaram na comida, bateram em alguns membros da família, destroíram a mobília e em sequência foram para as casas vizinhas fazer o mesmo. Me faz lembrar dos relatos dos moradores de favela do Rio de Janeiro e as operações policiais. Com o álibi de que estão procurando drogas, invadem as casas, quebram o podem, agridem quem estiver à vista e matam a esmo.

O projeto de vida de Stefania era salvar seus filhos. Cavava os buracos nas tocas de tamanduá para que as filhas menores se escondessem, ensaiava as rotas de fuga, estocava a tão escassa comida. Sempre aperfeiçoava os planos de sobrevivência.  O exílio para outro país, ela e o marido não cogitavam, era como se eles tivessem decididos morrer em Ruanda.

O alimento não era só pra nutrir o corpo, era um gesto de amor das mães. Ter filhos era motivo de muito orgulho e realização se transformou em temor. Havia uma vizinha mãe de 7 filhos, que deveria ser a mulher mais realizada do mundo. Mas seus meninos poderiam ser mortos ou convocados para a milícia a qualquer momento e essa mãe estava mergulhada em tristeza profunda. As mães de meninas viviam sob o pesadelo do risco do estupro coletivo o que é uma pratica em situações de guerra. 


Soldados alemães estupraram belgas ao invadir a Bélgica durante a Primeira Guerra Mundial; turcos estupraram armênias durante o genocídio na Armênia em 1915; japoneses assediaram chinesas durante o “Estupro de Nanking” em 1937-1938, violando indiscriminadamente mulheres e crianças e profanando os seus corpos com baionetas e outros objetos; russos celebraram a derrocada da Alemanha nazista em 1944-1945 com estupros em massa contra milhares de mulheres (alemãs, polonesas, russas, judias); norte-americanos estupraram vietnamitas durante a Guerra do Vietnã nos anos 1960; hutus estupraram mulheres tutsis no decorrer do genocídio de Ruanda, nos anos 1990; muçulmanas foram continuamente violadas em campos especificamente montados para tal propósito (rape camps) na Iugoslávia, também nos anos 1990 (Samanta Moura, 2015) 


O livro fala sobre como branco interferiam na cultua Ruandense com as missões católicas. A busca da “civilização” através da igreja. Todos tinham que ser batizados,  trocar de nome, não podiam trabalhar aos domingos, roupa, penteados tudo recebia a tentativa de  "embranquecer". Os costumes e tradições que ocorriam dentro e casa foram as que sofreram menos influência, assim como moradores de área remota onde os Missionários não tinham construídos uma base.   

O cultivo da terra era uma tarefa árdua, mas com vários propósitos. Eram de onde tiravam alimentos, eram onde plantavam ervas medicinais, era o momento em que as mães passavam para os filhos os segredos das tradições. Cultivavam plantas para atrair prosperidade. A autora  relata que se surpreendeu ao descobrir que batata-doce, o milho e o feijão eram oriundos das Américas. 

Na literatura descrevem as mulheres Tutsi como dona de casa que faziam cestinhos para turistas e manteiga. 


Foto da internet


Contudo a autora se recorda das mães sempre com uma enxada na mão e os filhos nas costas. Trabalhos de campos intermináveis. 

O sorgo tem o seu destaque. Cultivado em uma área exclusiva, é o alimento legítimo ruandês. O rei das plantações. Com ritual próprio e grandes festejos na coleta, o grande  talismã contra fome, contra calamidades e sinal de fertilidade e abundância.  Mukasonga aprendeu o cultivo com a mãe. 


Sorgo


Umuganura é o nome da festa pós coleta e da massa do sorgo. Por ser uma festa familiar onde nem os vizinhos participavam, muito foi preservado da influência dos missionários que não tentaram cristianizá-la. Crianças tinham a honra de colher as espigas, mas não podiam ser filhos bastardos, doentes, franzinos ou com problemas físicos. Não podiam usar panelas de metal, mas sim potes de cerâmica. Evitavam utensílios introduzidos pelos brancos. Todos da família deveriam comer, cantar e dançar em honra do sorgo.

            Mulheres, homens e crianças, todos tinham funções específicas. tudo era feito em  e para a comunidade. De tudo que se produzia com o sorgo, a cerveja era o mais esperado. Hoje substituída pelas marcas Primus e Amstel, a cerveja de sorgo é descrita como bebida de velho. Mas em torno  jarros de cerveja de sorgo, laços de familiares se fortaleciam, conflitos eram resolvidos, casamentos negociados, vizinhos confraternizavam.

            Com tratamento médico limitado e precário, crianças e idosos acabavam morrendo de diarréia. O tratamento com os saberes tradicionais ajudava. Stefania não era uma curandeira clássica, mas como uma boa mãe, tinha suas  recitas. Conseguiu plantar alguma coisa em casa, mas nada comparável ao que era antes da deportação.  O alimento de riqueza suprema que sentiam falta era o leite. Tomaram suas terras, assassinaram o gado e os veados, queimaram os estábulos. 

            Ao nascer as crianças passavam por um ritual e então eram reconhecidas e acolhidas como irmão da comunidade e deveria ser protegido por todos.  No final do ritual, as crianças maiores se sentavam no chão e estendiam o braço para receber o bebê em seu colo que   era passado de mão e mão. Dessa forma ele era adotado por todo o vilarejo. A autora não recebia bebês em seus braços pois segundo sua mãe era estabanada. 

Na missa era ensinados que Deus proibia trabalhar aos domingos e se não obedecessem, ele surgiria por cima de nuvens negras, ardendo de cólera e rodeado de línguas de fogo. Então Domingo de manhã iam pra igreja e as tardes cuidavam da beleza. Catar piolho era um ritual feito nos quintais das casas, encontros  apenas com as mulheres. Na maioria das vezes não tinha piolho, mas era o momento em que os dedos maternais percorriam as cabeleiras com afago. O racismo se articulou para  transformar esse momento em dor, afirmando que o cabelo crespo era ruim. Pentear os cabelos foi transformado em uma batalha para se adequar a aceitação social. No livro é explicado o amor que é transmitido de mãe para filha no momento dos cuidados dos cabelos.


Foto da Internet


Amasunzus eram penteados geométricos que significava que a moca estava na idade de casar e buscava um marido. O cristianismo condenava a tradição e proibia o uso de penteado que poderia atrair os meninos. O urugori, um arco que perdia o cabelo das mulheres, era um símbolo de fecundidade, benção para as crianças e para a família. O alisamento do cabelo com ferro quente então se torna padrão, mas o equipamento ne todas tinham e chegavam a passar ferro de roupa no cabelo para se encaixar no padrão. 



Foto da internet: Urugori

    


Foto da internet: Amasunzus


O estupro coletivo foi uma tecnologia de opressão e era assunto proíbo. As mulheres mudaram a tradição e passaram a acolher a vítima da violência e seus filhos. Não sabiam que status dar a essas mulheres pois não eram mocinhas e nem casadas então as vítimas recebiam o status de viúvas. 

Ruanda é o país de Mães-coragem.

        As mães de Ruanda são boas, amorosas, alimentam, protegem, aconselham, consolam. São guardiãs da vida.

Scholastique Mikasonga

26 dezembro 2020

Memórias da Plantação - Episódios de racismo cotidiano

             







            Para a mulher negra, a escrita é um ato de transformação. Segundo Grada, é onde ela não é a Outra e sim ela mesma. Se negar a ser objeto e se protagonizar enquanto sujeito. É um ato político! É oportunidade de se opor ao colonialismo e dizer não ao lugar do Outro.

O livro descreve o racismo atemporal, cotidiano, naturalizado, romantizado, entranhado nas nossas relações sociais. As plantações, que no caso do Brasil podemos exemplificar pelos canaviais, as explorações de minérios, são locais sistematizados para a exploração colonial.

Para falar sobre a máscara de flandres foi usado o famoso retrato de Anastácia. Há que diga que a função da máscara seria para impedir a alimentação. Mas Grada traz a tona a reflexão de que era pra evitar que a mulher negra falasse. 

Foto da Internet

       

            Para o colonizador tudo lhe pertence incluindo o alimento e a palavra. 

A fala da mulher negra desconcerta a estrutura social. Segundo os relatórios MEPCT/RJ (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), os agentes do Estado relatam a insatisfação em trabalhar em unidades de privação de liberdade destinado a mulheres. Local com 68% de mulheres negras os agentes prisionais as classificam como as que “falam demais” ou “reclamam demais”. As feministas hegemônicas nos acusam de não integrar a pauta maior que é a luta de classe e atestam que “falamos demais” sobre racismo. Nossos pares nos abandonam quando conseguem uma mobilidade social pois somos mulheres que “reclamam demais”. O estereótipo da mulher negra barraqueira é um dos mais difundido, ora o que seria o barraco se não uma denúncia? Não querem nos ouvir falar sobre colonialismo, do sexismo, do racismo, da violência... 


            Para o colonizador tudo lhe pertence incluindo o alimento e a palavra.

No processo de criação do Outro o branco projetou no corpo não branco tudo o que considera ruim e projetou em si próprio toda a positividade. Não se trata de um distúrbio moral ou psicológico, é tudo calculado, intencionado, decidido e projetado e com propósitos econômicos e sádicos. A construção do negro é fruto do imaginário do branco. Segundo a autora a alienação construída pelo banco faz com que nos identifiquemos com o herói branco e que rejeitemos os nossos iguais construídos como inimigo negro. Ao sujeito negro lhe é negado a viver/ser o Eu, e ele acaba vivendo como o Outro, definido pela supremacia branca. 

Negros são odiados enquanto raça e os detalhes da escravização, do colonialismo do racismo são as verdades que a máscara de flandres tenta ocultar. A imposição do silêncio é para que o branco não seja questionado sobre as suas criações/ações racistas. Reprimir a fala do negro é a forma do branco se proteger. Se falamos, a nossa versão a nossa realidade é colocada em dúvida. 

No livro é detalhado os 5 mecanismos de defesa do ego brancos: negação, culpa, vergonha, reconhecimento e reparação.

Para contextualizar a autora traz a teórica Gayatri C. Spivak que escreveu o tão famoso ensaio: Pode a subalterna falar? E Grada responde um sonoro NÃO!

O sujeito negro é descrito como incapaz de questionar os discursos coloniais. Patrícia Hill Collins, também citada no livro, fala dos argumentos da ideologia colonial de que grupos subordinados, os menos humanos, se identificam incondicionalmente com os grupos poderosos e não tem assim condições de uma interpretação válida pela opressão sofrida. Mas na verdade os grupos subalternizados, colonizados não são vítimas passivas e nem cúmplices dessa dominação. O livro rompe com a romantização do oprimido.

Na construção racista, os negros são descritos/classificados como desumanos, primitivos, brutos. A sua fala desqualificada, invalidada ou representada pelos brancos “negrólogos” que se intitulam especialistas em nós. 

O momento acadêmico vivido pela autora foi com violência racial. Várias foram as tentativas de fazer com que ela não produzisse conhecimento. A academia é colocada como guardiã de interesses políticos dos brancos e a interpretação dos negros feita a luz de outras perspectivas, que não a branca, é invalidada. A saga desde a inscrição até a conclusão do seu doutorado foi racialmente marcada. Regras modificadas para impedir a progressão para a etapa seguinte, sugestão para que ela escrevesse de casa e não usasse o espaço físico da universidade,   sem o crachá e enquanto mulher negra era a única em que a equipe de segurança a parava para se certificar se ela era realmente aluna.

Na dinâmica de hierarquia onde negritude significa “inferioridade” e estar “fora do Lugar” e a branquitude “superioridade” e “estar no lugar”, faz com que o corpo branco pode estar em todos os lugares e o corpo negro tem seus lugares específicos. 

O racismo é uma realidade violenta que está dentro das relações sociais. O negro vítima de racismo é desprovido de importância política e em caso de um ataque racista, há uma mobilização para compreender o agressor e uma omissão e desrespeito em relação a vítima. O branco se sente desconfortável com a visibilidade do racismo.


Tereza de Benguela 

A autora descreve três características do racismo: a construção da “diferença” tendo o branco como norma, as diferenças construídas são hierarquizadas e com isso naturalizada e por fim as obstruções descritas são acompanhadas por poder histórico, político, social e econômico então, grupos racializados não podem ser racistas nem performar o racismo pois o mesmo não detém poder. Esses grupos podem ser preconceituosos, mas racista não. 

Na Alemanha a autora fala da tentativa de evitar usar o termo racismo, sao eles a  preferência para o uso de termos como xenofobia. No Brasil a todo momento tentam classificar o racimo como bulling.

O branco tenta naturalizar o seu racismo omitindo a historicidade da opressão. Lê a si próprio como “civilizado” e “decente” e o sujeito negro como: Infantil, primitivo, incivilizado, animalizado e erótico. 

Para a construção da tese de doutorado, Grada entrevista algumas mulheres de descendência africana e transcreve na pesquisa a experiência de três delas e suas próprias experiências com o racismo. 

Quando com 12 ou 13 anos foi a um médico, no término da consulta esse homem banco a “convidou” para ser empregada de sua família durante as férias. Por ele ser branco e ela uma criança negra a relação de médico paciente transformou-se em senhor e sua escrava devido  cor da pele. Uma menina branca em uma consulta médica dificilmente seria convidada para ser empregada de uma família de 4 pessoas durante suas férias escolares. Essa experiência no Brasil é naturalizada, uma criança, uma menina preta a partir dos seus 5 anos de idade já é lida como uma possível trabalhadora doméstica. O racismo também é genderizado. 

Segundo Mirza, mulheres negras ocupam o terceiro espaço, uma espécie de vácuo as margens da raça e do gênero. A experiência com o racismo é única pois para a mulher negra o racismo não se descola do sexismo. Existe uma falsa sororidade por parte das feministas ocidentais quando elas tentam colocar no mesmo grupo a si própria que enquanto brancas são herdeiras de privilégios do escravismo e colonialismo e mulheres negras herdaram dor e expropriação da própria humanidade. Homens negros não gozam de todos os privilégios do patriarcado.

A forma como a mulher negra experimenta o mundo é racializada. As pessoas se sentem autorizadas por exemplo a tocar em seus cabelos, sem constrangimento perguntam como mulheres negras higienizam o cabelo, estar com o cabelo crespo é considerado um ato de rebeldia pois o cabelo crespo foi usado para justificar a subordinação dos sujeitos negros, é usado como marca de servidão e colocado como símbolo de primitividade, desordem, inferioridade e não civilização, associam o cheiro da mulher negra a animal como macaco.

O relacionamento interracial não é símbolo de segurança. O sadismo racial é mais forte e em tons de “brincadeira” a relação de hierarquia racial se mantém. Piada racista são expressões do racismo que necessitam do consentimento e cumplicidade do riso. 

O racismo constrói a mulheridade negra como doméstica assexual obediente e a prostituta primitiva sexualizada. Lélia Gonzales em seus escritos fala das categorias mulata, mucama e mãe preta para denunciar como a mulher negra é representada no Brasil. 

Uma das entrevistadas fala de como ela era transformada em “sem cor” pelas pessoas brancas. Amigos diziam que na achavam que ela era negra. Era a tradução de um comportamento fóbico e uma negação do próprio racismo. Ao colocar a entrevistada como “sem cor”, invalida-se automaticamente toda violência racista que ela poderia relatar.

A palavra N não é neutra, trata-se de um conceito colonial inventado que significa primitividade, animalidade, ignorância, preguiça, sujeira, caos etc e esta ligado a uma experiência coletiva de opressão racial, brutalidade e dor.

O racismo leva ao suicídio. Mulheres negras experimentam níveis de solidão que vão muito além da rejeição da possibilidade de um relacionamento romântico pautado na responsabilidade afetiva. O vazio causado pelo isolamento e não pertencimento a nenhum espaço é adoecedor. Para o colonizador o suicídio é algo inadmissível é a decisão do sujeito negro do que fazer com a própria vida, é um ato subversivo dentro da dinâmica racial. A comunidade escravizada era punida caso cometesse suicídio, o branco não queria perder “mercadoria” e não queria que negros se tornassem sujeitos.

O trauma colonial é alimentado pelo racismo cotidiano. A todo tempo somos remetidos de volta ao sistema de opressão racial. A academia não estuda as consequências psicológicas sofridas pelo trauma racial. Os Africanos que ficaram em África e os que foram arrancados de seu continente para a diáspora tem um trauma histórico e coletivo, fruto da escravização e do colonialismo.

O livro fala da experiência do racismo na diáspora, das construções sociais produzidas e do quanto as vítimas do racismo são silenciadas no seu cotidiano. 

A autora Portuguesa estudando na Alemanha fala de experiências que são comuns na diáspora como no Brasil e Estados Unidos. Não falar sobre racismo que vivemos, é deixar uma ferida aberta sem a oportunidade de cicatrizar. 

Nunca fomos e nunca seremos passivos e coniventes com as opressões coloniais e vamos continuar falando. 


Grada Kilomba

25 novembro 2020

Racismo na Droga Raia- Tijuca


             Era pra ser um dia normal, mas eu sou negra!

O autor Ta-Nehisi Coates no seu livro Entre o mundo e Eu. Escreve para seu filho de 15 anos explicando que por ele ser negro as suas experiências de vida seriam completamente diferentes para as pessoas de grupos raciais diferentes.

Ahhh Roseane, mas raça nem existe. Melhor! Só tem uma, a raça humana.

A raça não é uma condição biológica, mas uma condição social, psicossocial e cultural que foi criada, reiterada e desenvolvida na trama das relações sociais, já nos dizia Octavio Ianni.

Os meus traços fenótipos, os meus traços raciais como meus lábios grossos, minha bunda grande, meu cabelo crespo, e a cor retinta da minha pele fala de mim sem que seja necessário que eu abra a boca. O meu corpo é um discurso. Para a supremacia branca (dos supostamente brancos do Brasil) o meu corpo é uma ameaça. Não é preciso absolutamente nada. bell hooks nos chama para refletir, a construção racial que fizeram do nosso corpo foi para que o mundo abertamente sentisse ódio e medo de mim. 

Eu estava tendo um dia de rotina, acordo às 5 horas da manhã com os primeiros raios de sol e os cantos dos passarinhos, molho as plantas e faço um chá pra iniciar minha rotina de estudos e escrita. Mas ontem tive que sair de casa, consulta com oftalmologista e uns assuntos pessoais pra resolver. Como estou em processo de construção de uma rotina de auto cuidado, eu conto com o apoio das amigas pretas. Uma das minhas maravilhosas me indicou um protetor solar com o valor de 17,49.

Como iria no médico praça Saens Pena, passei na Drogaria Raia que fica na rua General Roca, 661-C, Tijuca. 

E então sou arremessada para o mundo onde a supremacia branca determina que seja o meu. Ao colocar o primeiro pé na loja o segurança, um jovem branco aumenta a voz e dispara uma “boa tarde”. Para quem não sabe, essa é uma estratégia de treinamento de muitas lojas. Pessoas “racialmente perigosas” tem que saber que foram notadas, que a sua presença no espaço físico da loja está em observação, isso inclui os boa tarde de segurança, as jovens que oferecem cartão de crédito, as funcionárias que vem oferecer ajuda em loja de auto atendimento. São determinações da loja, alertar ao “suposto meliante” que ele foi visto.

Respiro e sigo atrás do eu produto e o encontro. Entro em uma fila e vejo uma prateleira de promoção de esmaltes. Eu amo pintar unhas e vi um esmalte verde. Na hora me veio memória afetiva boa, poxa eu nunca havia pintado as unhas de verde, poderia ser engraçado então por 7 reais topei ter a experiência e peguei esse produto também. Ao chegar na minha vez de pagar, a atendente do balcão que estava atrás do seu computador me informa que eu estou na fila errada, que aquela fila era para as pessoas que vão solicitar medicamentos e que o caixa fica do outro lado loja. Quando vou pegar meus produtos a atendente recolhe o protetor e o esmalte e coloca na bolsa de proteção da loja que tem um lacre que só o caixa pode abrir. 

Imediatamente eu perguntei a funcionaria o motivo do procedimento, a mesma desdenhou da minha pergunta e disse que não era nada demais, que era para me “ajudar” na hora de ir ao caixa para eu não ficar com as coisas nas mãos. Eu insisto e aponto para um cestinha de plástico que é oferecida aos clientes em compra na perfumaria perguntei por que pra mim tem que ser lacre e para aquela senhora é um cestinha? 

A atendente me olha com uma cara de absurdo e vai ao caixa retirar o lacre e me devolve os produtos fora de um cestinha, e com muita raiva. Solicito conversar com a gerente. A gerente teve uma ação pior do que a da vendedora, disse que o procedimento é padrão e que eu estava colocando palavras em sua boca, que a atendente não havia cometido racismo, que ela mesma não era racista. 

Perguntei a função do lacre e ela me disse que seria uma proteção adicional para prevenção de furtos já que a loja já conta com segurança, câmeras, os atendentes. Esse era um procedimento para produtos especiais. Aí eu perguntei quais produtos estão no protocolo para serem lacrados, ai ela disse que todos os medicamentos do balcão.

Nesse momento eu perguntei novamente: se eu não comprei remédio, se eu não pedi informação de remédio, se eu não falei em nenhum tipo de produto desse balcão, se na loja há cestinhas para compras na perfumaria, se eu errei a fila e perguntei onde era a fila correta. Qual foi o critério que ela usou para recolher da minha mão e lacrar um esmalte e um protetor solar? 

Por fim uma advogada que assistiu toda a cena me deu o contato dela caso eu precise de testemunha. A vendedora com a gerente na sua empáfia e um olhar de autoridade determinou ali que EU era a pessoa errada e que NÃO houve uma situação de racismo. 

Os RACISTAS são assim, eles tentam transferir a culpa para as vítimas.

Nisso, eu fiquei muito chateada, não consegui me alimentar direito, a dor física veio em forma de dor de cabeça, minha concentração foi embora e não pude continuar meus estudos nesse dia, não tive alegria para ver um filme, não consegui se quer ouvir uma música, perdi uma reunião. Fiquei sozinha no meu luto porque a vida de mulher negra retinta é assim. 

E eu só queria um protetor solar, eu só queria cuidar de mim...

 

21 novembro 2020

Carta a Zumbi de Palmares.



Oi Zumbi, como vai essa força? Eu queria lhe render homenagens ontem, mas não consegui! Até que tentei, fui até o seu monumento na avenida Presidente Vargas e o nosso povo estava lá, mas meu coração não estava. 

Sou grata Zumbi, a tudo que você representa, por favor não me entenda mal.

Eu vou te contar algumas coisas bem pessoais tá, coisas que me alegram muito. Sabe o 20 de novembro? Pra mim já era dia de festa bem antes de eu saber sobre você. No Brasil é assim né, eles escondem o jogo pois informação é poder.

Eu já cheguei a pensar que 13 de maio me representava, mas era tudo mentira. Mas deixa eu te contar os meus babados, tenho certeza de que você vai gostar. 

O dia 20 de novembro na minha família é a abertura de uma tríade de aniversários: 20 é o dia da minha prima/irmã, 21 da matriarca que hoje celebra do Orum e dia 22 do meu primo/irmão. Nas minhas memorias afetivas, lembro dessa semana com muita alegria. Família reunida, comida boa, um bom samba e cerveja gelada. Até que um dia me falaram de você. Eu quero era órfã de herói, me senti acolhida. Sabe quem me contou? Foi o bonde do Frei David, lá no final da década de 80.  Eu ia pra São Joao de Meriti e fazia coreografias Afro nas missas do Frei. As roupas de tecidos africano, modelos originais, quem me emprestava era a saudosa tia Cacilda, uma Yalorixá com o coração do tamanho do mundo, uma mulher firme, grande conselheira que adorava me enfeirar com as roupas “da macumba” pra eu ir dançar na missa. Eram turbantes coloridos e batas africanas que me emponderavam enquanto mulher negra. Lembranças boas.

Mas nos doas de hoje temos de tudo, incluindo a tolice de alegar que você é de esquerda. Pessoas desonestas sabe. É só pesquisar direitinho que da pra descobrir que o movimento dos negros no Brasil em pró de sua liberdade, começou desde a chegada do primeiro grupo que foi sequestrado em África. Na verdade, nem precisaram colocar os pés aqui, na travessia do atlântico eles já estavam criavam os seus atos de resistência. E agora estão divulgando que nessa época havia divisão política no Brasil de direita e esquerda.

Eu nem sei se rio ou se choro porque a esquerda nem liga pra gente. Nos chamam de indentitários, nos acusam de diluir a luta de massa que pra eles é a luta de classe. Racismo pra esquerda é algo secundário. 

Mas vamos voltar a falar de coisa boa. Sabe outras memórias que tenho do seu dia? Os blocos Afro Dudu Odara e Orumnilá. Novembro, a concha acústica da UERJ transbordava em tambores. E era assim seu dia, sua semana o seu mês. Recheado de festa e de alegria. 

Mas esse ano eu fui interrompida. 

Na véspera do seu dia, ao invés de eu lembrar das tias cortando legumes e carnes para fazer o almoço do dia seguinte, ao invés de lembrar do meu pai e tios juntando cascos de cerveja nos engradados para providenciar a compra da bebida, fui interrompida por uma terrível notícia.  João Alberto Silveira Freitas de 40 anos, foi espancado até a morte na frente de sua esposa, lá na cidade de Porto Alegre. 

Eu fui burra e cometi um erro, assisti ao vídeo do assassinato. Eu sei que não tenho peito pra isso, mas me atrevi. Os gritos ainda estão assombrando a minha mente, as imagens dos socos na cabeça ficam flutuando como se fosse um filme. 

Não estavam matando Joao, estavam matando a nós negros. 

O corpo negro é tolhido de qualquer tipo de subjetividade e João ousou agir de forma não autorizada pela supremacia dos supostamente brancos do Brasil. O corpo negro não pode olhar nos olhos porque é afronta, o corpo negro não pode gargalhar porque é irresponsável, o corpo negro não pode dançar que está pedindo sexo, e o corpo negro não pode ficar descontente e afrontar, não, isso não, isso nunca! Quem tenta questionar, criticar, impor a voz para pedir uma solução para algo, tem a morte como resposta. Que ousadia é essa? Como assim corpo negro quer tirar a simbólica máscara de flandres para falar? Não! Esse é o limite dos limites.

A imagem da mulher branca de pé, filmando e gozando do momento de dor e morte do corpo de um homem negro é a perpetuação do nosso sofrimento em diáspora. Ela percebeu que estava sendo filmada e foi ameaçar a pessoa que teve estômago e coragem de registrar. “Não faz isso que eu vou te queimar na loja, disse a branca para o suposto funcionário registrava as imagens.  

Lá nos Estados Unidos em 1955, aos 14 anos Emmet Luis Till foi assassinado por homens brancos após ser acusado de assoviar para uma mulher branca. Sabe a branca? O nome dela é Carolyn Bryant e ela admitiu 60 anos depois que havia mentido. Mas assassinos já haviam sido absolvidos muitos anos antes.  O segurança que matou o jovem no supermercado extra em 2019 teve uma fiança de 10 mil reais paga em menos de 24 horas estava em liberdade. Quem pagou?  Thomas Lane, um dos quatro agentes envolvidos na morte de George Floyd durante abordagem policial em Minneapolis, foi solto após fiança de US$ 750 mil dólares e deixou a prisão. Quem pagou? 

Enfim, assassinos de corpos negros têm poderes invioláveis. 

            Bom Zumbi eu só vim me explicar, não esqueci de você não, queria postar uma foto bem linda, de turbante, punhos cerrados, com o sorriso por debaixo da máscara. Mas vai ficar pra próxima. 

Está doendo muito ainda. Mas eu vou me levantar. 

Até lá

 

Roseane