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26 janeiro 2020

Na minha pele

Na minha pele é um livro que não tem a pretensão de ser uma biografia, mas um livro para falar de experiências de vida, segundo o autor. 
Lazaro Ramos é um jovem ator negro de muito sucesso.  Rompeu barreiras inimagináveis para um corpo negro masculino e nordestino pois essa tríade é muito determinante, para ela o seu lugar no mundo já e marcado.  Mas Lázaro rompeu as fronteiras fantasmagóricas forjadas pelo racismo e está traçando suas trajetórias de sucesso. 

Acredito que por ter nascido e criado em um ambiente de proteção racial pois ele vivia em uma ilha onde havia apenas uma moradora branca, ampliando assim o convívio com seus iguais, Lazaro foi criado como uma criança bonita, elogiada, aprendeu a ver valor e beleza nos seus iguais. 

Na experiências   de muitos outros e eu me incluo, o mundo é desde muito cedo uma eterna concorrência, vai desde ser chamada de neguinha do morro por usar tranças nos cabelos, nunca ser a auxiliar da professora para apagar o quadro, nunca ser escolhida pra ser anjo, noivinha e outros locais de destaque para as meninas e no caso dos meninos já ser lido como delinquente aos 7 anos de idade e iniciar uma vida de eterno suspeito de qualquer coisa de errado que aconteça em seu entorno. 

Lazaro mesmo filho de pais separados tinha uma família muito presente e essa foi sua base. Família acolhedora, amorosa. Dindinha, mulher negra que ao meu ver é uma das presenças mais forte da família batalhou para a vitória de muitos.  A relação de Dindinha com Caó me deixou de queixo caído. Dindinha é porreta e seu buraco atrás do fogão não me deixa mentir.
Ao sair desse ambiente de proteção, mesmo sem saber nominar, começou as experiências de sua diferença no mundo, ele tinha um corpo marcado! 

De uma forma muito inusitada descobriu o seu talento para as artes, sacrificou o seu tempo livre, o seu dinheiro do almoço e começou a se dedicar de verdade até se profissionalizar. Teve muita gente boa atravessando seu caminho. Oh Sorte! Foram escritores, diretores teatrais, historiadores , mães de santo, atores, abolicionistas... as influencias positivas foram muitas. A maioria dos corpos negros masculinos são forjados pela desigualdade, violência policial, falta de empatia. Há muitos que resistem a tudo isso e cruza a fronteira, mas esse não deveria ser um lugar normalizado. O normal para todos é ter família, segurança, saúde, moradia... 

Namorou mulheres brancas, mas preservou os ensinamentos de sua infância e teve habilidade em ver beleza e romance em uma mulher negra. Esse olhar deve ser treinado, a sociedade força a hipersexualização e outros estereótipos no corpo negro feminino. A destruição de nossas famílias fazendo com que rejeitemos os nossos iguais afetivamente é uma ferramenta do racismo que não nos quer nos amando. Nós mulheres negras também somos factíveis ao amor e romance queremos xodó e cafuné e Lazaro mandou FLORES para Thais, um gesto romântico.

A leitura desse livro é uma excelente coleta de teóricos que nos ajudam a entender as questões raciais, procurem saber quem são: Nei Lopes, Cidinha da Silva, Muniz Sodré, Vanda Machado, Florestan Fernandez, Zózimo Bulbul, Giovana Xavier... façam com já foi ensinado, joguem esses nomes no Google.

Falar de questões raciais, sendo uma pessoa publica é um grande desafio. 
Vivemos em um país racista e que a pouco tempo estão tendo que lidar com os negros questionando a branquitude. Tem sido bem doído para muitos, mas é necessário. 

Racismo não é apenas chamar o outro de macaco, racismo e uma tecnologia de poder onde hierarquiza seres humanos. Corpos com cor de pele diferente tem lugares bem marcados na sociedade. O nosso saudoso e talentoso Antonio Pompeo não resistiu e sucumbiu. Em nome dele não podemos parar de lutar.

Parabenizo Lazaro por não escolher a zona de conforto. Ele botou a cara, cutucou a ferida e está contribuindo de forma bem positiva para o debate racial. 




Leitura gostosa e bem educativa. Eu indico.

23 janeiro 2020

Minha mãe é negra sim!

Livro infantil com uma história comum, mas necessária de ser debatido. O whitewashing sugerido pela professora branca no intuito de embelezar a aparência da mãe de seu aluno negro causou incomodo no mesmo. 

Isso só é possível quando questões raciais e de empoderamento negro são debatidos no ambiente familiar e de uma forma que a criança entenda que clarear pele da mãe não é sinônimo de deixa-la mais bonita. 

A mãe negra e linda do jeito que é.

Pai e mãe presentes, pai trabalhado, casa, local de lazer, animal de estimação, alimentação, doce de preferência, o avô como pessoa de referência, de integridade e inteligência, o aporte para discutir questões mais difíceis. 

A família inteira que conhece a criança, sabe quando ela está diferente, triste e imediatamente oferece suporte.  A observação de que na escola o ser negro é coisificado e animalizado de forma rotineira pelos coleguinhas e a criança negra sabe identificar que isso não é normal.

São muitas mensagens positivas e de engajamento de resistência são oferecidas nesse livro. Preparem suas crianças pra vida porque o racismo vai estar lá preparado pra atacar. 

Laços de Sangue

Descobri Octavia Buttler através de Karina Vieira. Karina tem sido minha mentora a muitos anos, desde quando deixei os meus cabelos naturais com o apoio dela e do coletivo meninas Black Power. Passei a acompanhar seus textos e suas dicas de leitura. 

Não tenho intimidade com a leitura Afrofuturista e acho que demorei tempo demais pra desbravar esse mundo. A pulga da curiosidade ficou atrás da minha orelha porque se Karina indica eu tenho que tomar vergonha na cara e obedecer. 

Laços de sangue é um livro se passa nos Estados Unidos. Uma mulher negra retinta e jovem que se encontra em um relacionamento estável é transportada da década de 70 para o período da escravidão mediante a um determinado evento. Não vou falar como pra não dar Spoiler. 

Uma vez no período da escravidão com a experiência dos dias atuais ela entra em conflitos com os escravizados e com os brancos. Me deu vários bugs na mente porque muitas vezes eu vejo situações ocorrerem com a população negra e eu culpava a nós mesmos. Ao me dar conta do formato estrutural que nos mantem refém até os dias de hoje, desse sistema racista, percebo que nem tudo é tão fácil assim, fogo nos racistas? Beleza. Experimente queimar uma pessoa branca declaradamente racista... 

Temos que ampliar nossas estratégias de enfrentamento. O livro expõe a miscigenação através do estupro, expõe com muita clareza a maldade do homem branco escravocrata que nos mantem em um sítio de terror a violência, tudo com as bênçãos cristã e com o aval da legalidade (que seria o estado nos dias atuais). Como diz Achille Mbembe a raça é utilizada como tecnologia de poder. No livro fica bem elucidado quem apanha e quem bate. 

Os escravizados são inteligentes, estratégicos, são críticos, tem fé, tem noção de família, amor pelo próximo, lealdade, amor pelos filhos e cada ponto desse é atacado pelos brancos para a desestruturação do grupo. Se apaixonou? Um dos pares é vendido. Teve filhos? Os mesmos são vendidos para que a maternidade e paternidade não seja desempenhada. Aprendeu a ler? Leva Chicotadas. O senhor não quer mais como escrava sexual após inúmeros estupros? Coloca para trabalhar no campo. 

É muito bem descrito o poder vil da mulher branca sobre os corpos negros e seu ódio a mulher negra principalmente a que ela acha que é mais inteligente que ela. 

A violência física como forma de espetáculo para “dar lição” aos demais escravizados, o processo de escravidão naturalizado e as crianças reproduzindo em forma de brincadeiras porque esse é o universo que eles conhecem. 

O perdão, a resiliência são os pontos fortes do livro, haja resiliência...
Os personagens são bem descritos, os seus traços, seus sentimentos, os gostos, profissão, talento, tom de cor da pele, suas reações, amarguras, ressentimentos, sonhos... aprendi a prestar atenção nisso com Conceição Evaristo. 

Fala de estereótipos, cita lutas negras, privilégio branco. 

A escravidão foi/é uma grande assassina, de corpos, de sonhos de futuros de mentes. Não podemos de forma alguma deixar de falar sobre dar detalhes pois só assim construiremos um arcabouço para nos proteger.

O livro é muito fantástico. Ao mesmo tempo que causa indignação, da pra ler sem adoecer. Amei a escrita de nossa ancestral Octavia.


Octavia Estelle Butler ( 1947 —  2006), mais conhecida por Octavia Butler, foi uma escritora afro-americana consagrada por seus livros de ficção científica feminista e por inserir a questão do preconceito e do racismo em suas histórias.
Octavia Butler decidiu tornar-se escritora aos doze anos ao assistir o filme Devil Girl from Mars e convencendo-se de que poderia escrever uma história melhor. Depois de vender algumas histórias para antologias, adquiriu notoriedade a partir dos anos 1980, ganhando os prêmios Nebula e Hugo. Mas foi a publicação dos livros Parable of the Sower (1993) e Parable of the Talents (1998) que solidificou sua fama como escritora. Em 2005, ela foi admitida no Hall Internacional da Fama de Escritores Negros.
Após sua morte, em 2006, uma bolsa de estudos que leva seu nome foi criada para incentivar estudantes negros inscritos nas oficinas de escrita onde Butler foi aluna e, mais tarde, professora. (fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Octavia_Butler).



Pequeno Manual Antirracista

Em seu novo livro Pequeno Manual antirracista a escritora Djamila Ribeiro fala de uma forma muito direta e de fácil entendimento sobre como ser antirracista. De capítulo a capítulo usando sua trajetória enquanto mulher negra e os atravessamentos raciais que lhe foram impostos a mesma exemplifica e discorre sobre questões raciais. 

Primeiro ponto pra quem quer ser antirracista é: Vá estudar! Sou chamada de arrogante quando falo isso. Inacreditavelmente existe uma corrente de pessoas que pregam a não educação, esses acham que educação vem exclusivamente das cadeiras das universidades e que lá não é lugar para negros. Vá estudar é ouvir os mais velhos, é assistir a um vídeo do professor Joel Rufino no Youtube, ouvir uma pessoa falando de uma situação de racismo e não silencia-la, é aprender com a situação, é ouvir música e questionar, uso como exemplo a tão popular na voz do tão querido Zeca Pagodinho, parte da música Faixa Amarela: “...Mas se ela vacilar, vou dar um castigo nela. Vou lhe dar uma banda de frenteQuebrar cinco dentes e quatro costelas. Vou pegar a tal faixa amarela. Gravada com o nome dela. E mandar incendiar. Na entrada da favela...”. A música fala: eu vou presentear e vou ama-la, mas se ela não atender as minhas expectativas eu bato nela, quebro seu corpo e boto fogo no presente. Mulheres negras passam por isso o tempo todo e você que quer ser antirracista não pode achar enraçado ou normal.

Então gente: Vá estudar, leia, escute, observe, sinta o cheiro...largue “eu acho” e analise a situação, contextualize tudo. Esse papo que só é racismo se chamar de macaco não está colando mais e tenha sempre em mente, na dúvida: É RACISMO.

Admita o privilégio branco, admita as vantagens da pele clara parem de tentar não debater algumas pautas porque esse silenciamento só serve pra manter o oprimido em seu “devido lugar” enquanto a roda continua girando. Se desconstrua, mude. Por muitos anos eu fui a “palhaça da turma” eu fazia piada com meu cabelo, com meus lábios, com o tamanho da minha bunda, eu pensava que se eu risse disso ia doer menos na hora que fosse atacada racialmente pelos meus traços negroides irrefutáveis. Hoje eu não admito isso em hipótese alguma e me fere quando vejo um homem negro presentear sua companheira branca e assinando sua carta de amor e devoção com: “seu macaco”. E ao ler um pouco mais sobre essa relação, chamar de macaco do cabelo duro é a forma que a mulher branca diz ser carinho de casal, mas quem já “estudou” sobre a negação da humanidade ao corpo negro e a colonização da estética de nossos corpos consegue perceber que ai não há nada de carinho, há uma hierarquização, o humano e o não humano, o padrão e o não padrão. E advinha quem vai estar estruturalmente na posição inferior?

Essa semana tivemos também um ator branco ex morador de favela que se sente dolorido no âmago do seu ser com ações afirmativas como cotas raciais. O clássico branco pobre. Quem aí não teve um branco pobre que desdenhou quando você passou no ENEM, comprou um carro, quitou as prestações do celular... Se você quer ser antirracisa, apoie as políticas educacionais afirmativas.

Não romantizem o preto único, tomem vergonha ao falar de meritocracia em um país que tem a desigualdade social como base estrutural do estado. Falta de acesso a educação, saneamento básico, água potável pra beber, não ter onde dormir, falta de assistência de saúde... esses não devem ser o ponto de partida de NINGUÉM. Parem de dizer que é lindo uma criança negra vendendo bala nas ruas enquanto seu filho faz inglês e natação. Essa criança não é “esforçada” ela é fruto de um sistema e se você não se incomoda com isso você é racista. 

Leia autores negros, já tem várias listas rolando pela internet. Combatam a violência racial. 

Há um vídeo no twitter do influencer Mussum Alive onde uma senhora negra é acusada de roubo por um homem branco dentro de um onibus. A polícia para o ônibus, aceita a palavra do branco que a senhora é a ladra. A polícia revista a bolsa da senhora, autoriza ao racista a olhar dentro da bolsa, apenas a menina que estava filmando dava apoio a vítima de racismo. Mulheres brancas se dirigiram a vítima de racismo pra perguntar se não foi ela mesma quem roubou, um homem branco grita “está com dó? Leva pra casa”, um show de humilhação. Então eis que uma senhora de idade vai até o policial e diz que tem uma passageira que está agitada e move alguma coisa entre os bolsos de sua roupa, o policial pega essa passageira que é branca, loira e coloca na frente da senhora negra para confirmar se na eram cúmplices. A branca ainda achou que não seria pega disse que nunca havia visto essa senhora negra na vida e que estava atrasada para o trabalho, tudo isso bem tranquila, mascando chiclete. No momento da revista da BRANCA o policial pede a uma mulher para revistar, direito esse que foi negado a mulher negra. Ao constatar que a mulher BRANCA era a ladra, umas duas pessoas pediram desculpas a vítima de racismo. Mas havia um ônibus lotado e nenhum antirracista deu apoio a mulher negra, salvo a menina que milagrosamente conseguiu filmar tudo. Antirracismo tem que ser rotina do nosso cotidiano.


Cuidado com a cultura negra tenha respeito, tenha zelo.  Nós não somos alegoria, entretenimento e acessório. 
Branca pode usar trança? Sim. Fica feio? SIMMMM rsrsrsrsrsrss.

Enfim, leiam, presenteiem, marquem o Youtuber que gosta de comprar livro e distribuir pra poder afrontar. Comecem a transformar suas vidas.