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31 maio 2020

Eu,Tituba – Bruxa negra de Salém

A história das Bruxas de Salem é narrada por Tituba. Mulher negra fruto do estupro sofrido por sua mãe aos 16 anos de idade no navio negreiro.

A historia é ficção recheado de fatos reais como tráfico negreiro, genocídio indígena, situação do escravizado, privilegio branco, violência sexual a mulher negra, intolerância religiosa, diáspora negra se reconstruindo enquanto comunidade, saberes tradicionais ancestrais, sacralização animal, capitalismo, fake News, machismo, racismo, amor, a vivacidade do sexo, respeito a natureza e aos mãos velhos.

Sua mãe comprada por Daniell Davis foi mantida na casa grande para cuidar de sua esposa, também adolescente. Ao descobrir que Abena estava grávida a manda para senzala e lá ela conhece o Yao que a acolhe e passam a se relacionavam como casal. 

Tituba ao nascer lembrava a sua mãe da humilhação e a violência do estupro. 

Yao era um suicida. Suicídio e infanticídio eram formas de resistência e para muitos o único meio de liberdade.

Mulheres brancas mesmo sofrendo machismo tinham proteção. Controlar o corpo da mulher branca era controlar os herdeiros, gestão de negócios. No império Romano por exemplo familiares consanguíneos se casavam e tinham filhos entre eles para manutenção do poder econômico.

Aos 7 anos idade a mãe de Tituba resistiu a um novo estupro e cometeu o mais grave dos crimes, golpeou um branco. Foi enforcada e Tituba expulsa. 

A criança contou a solidariedade dos seus iguais e foi acolhida pela velha Man Yaya com quem aprendeu os segredos da natureza, a sacralização dos animais. 

Um dos ensinamentos mais importante da velha foi: não use seus talentos para vingança e sim para servir e consolar. 

Com seu núcleo familiar morto, viveu em um barraco de madeira e era visitada pelos espíritos da Man Yaya, de sua mãe Abena e de pai Yao. Nunca estava só, seus ancestrais lhe acompanhavam.

Foto da Internet
Um dia andou além do limite que considerava seguro e avistou uma carroça com escravizados que a reconheceram e fizeram reverencia pois sabiam do poder da velha.

Foi ainda além dos limites até que conheceu John Indien que foi seu primeiro amor.

A velha Man Yaya avisou a Tituba: homens não amam. Eles possuem. Eles subjugam. Mas Tituba apaixonada se entregou a esse amor e fez o inacreditável, trocou sua liberdade para viver enquanto escrava para estar ao lado de John. 

Caiu nas garras de Suzana Endicott, uma mulher branca e rica que era contra a escravidão, mas a favor do racismo.

Teve os primeiros contatos com o cristianismo, foi forçada a aprender orações, ouvira pela primeira vez as palavras satanás e bruxa. 

Não se deram bem.  Tituba para se vingar dos maus tratos e provocou em Suzane uma doença que lhe traria constrangimento. Então Suzane doou Tituba e o marido para Samuel Parris. Era ele um fanático religioso,  branco pobre e com pouco estudo, que se apresentava com reverendo e era dotado de uma crueldade sem tamanho que estava de mudança para Boston para tentar emprego de capelão em alguma igreja.

De Boston o pastor mudou-se para Salem para assumir uma igreja. O dinheiro era pouco então alugou John para ter algum sustento.

Tituba confiou nos brancos e foi traído por todos. Cuidou, protegeu, alimentou, curou mas não adiantou. 

Foto da Internet









Era abordada por pessoas "de bem" que lhe pediam ajuda para vinganças. Maridos sonhavam com a morte de esposas, esposas venderiam a alma dos filhos para se livrar do pai, vizinho queria exterminar vizinha, irmão querendo matar irmão, filhos desejando acabar com os pais.


A filha e a sobrinha de Parris foram instruídas a representar uma possessão demoníaca na presenta de Tituba. Ao vê-la as duas se jogavam no chão e tremulavam. 

As acusações de bruxariam então tomaram forma até que foi enviada para cadeia para aguardar seu julgamento. Antes de ser levada para a cadeia Samuel Parris com companheiros a estupraram com um pedaço de madeira.

Foi uma época fervorosa em Salem, qualquer comportamento considerado anormal aos olhos cristãos ia a julgamento. Mas somente mulheres e meninas eram parceiras de Satanás. Enforcar, puxar pela carroça, queimar em fogueira essas mulheres era um espetáculo esperado e disputado.  

O tempo que ficou na prisão conheceu Hester, uma mulher branca grávida e presa por adultério. A nova amiga sempre falava: “Brancos ou negros, a vida é boa demais para os homens”. Hester cometeu suicídio, mas voltava em espírito para conversarem e Tituba que descobre a possibilbilidade da bissexualidade. 

Houve um perdão geral e soltaram as que não haviam sido assassinadas, mas alguém teria que ir lá pagar a conta da cadeia. Seu marido, que havia aderido as mentiras  e estava convulsionando pelo chão e acusando mulheres de bruxaria não foi lhe buscar. Ela não quis saber mais dele, já que compactuava com o sistema.

O policial a vendeu com escrava para não ficar no prejuízo. Foi então comprada por um judeu Benjamim Cohen d’Azevedo, viúvo que precisava de alguém para cuidar de seus nove filhos, mas acabam tendo um relacionamento amoroso.

Na nova casa ela descobre que existe intolerância religiosa perseguição a brancos também. O novo senhor fazia seus cultos escondido e mesmo assim sua casa foi apedrejado, incendiada e todos os filhos mortos. Por fim ele fala que não era por causa da fé e sim dos negócios, a desculpa era de que estariam eliminando um judeu, mas estavam eliminando um concorrente comercial.

Ela recebe alforria desse homem e volta a Barbados. Encontra um grupo que estavam indo para uma espécie de Quilombo, se une a eles e lá conhece Christopher o líder que era casado com duas mulheres mas passa visitar a cabana da Tituba porque ele queria um feitiço para se tornar imortal e deixou a entender que daria sexo em troca. 

Foto da Internet
Tituba disse que a magia não seria possível. Tornaram-se amantes. Cristopher passa a lhe tratar com indiferença e grosseria e ela resolve ir embora pra seu antigo barraco da época da adolescência.



Ela e a comunidade ficam felizes com o reencontro.  Ganhou muitas sementes e animas para o seu quintal e em troca cuidava da saúde de todos da comunidade.

Se descobriu grávida. A maternidade era uma triste felicidade, o futuro da criança negra estava nas mãos do sistema escravista. Como já tinha feito um aborto de um filho do John, essa gravidez do Christopher resolveu levaria até o fim. 

Em uma tarde levaram a ela um jovem chamado Iphigene que estava em frangalhos pois havia recebido 250 chibatadas em todo o corpo. A deformação era tão grave que era pelos discretos suspiros sabiam que ele ainda estava vivo. 

Cuidou dele com afeto maternal. Ao ver as cicatrizes de Iphigene e olhar pra sua barriga, desejou um mundo melhor pra receber seu bebê. 

Uma revolução foi organizada, a meta seria incendiar as plantações e casas grande para atingirem a independência. 

Iphigene era um dos líderes que com seus comparsas roubava armas dos arsenais pois, Barbado era a ilha onde os colonizadores estocavam as armas para suas guerras com a Franca pelo mundo em disputa de território colonial. 

O jovem revelou um amor de homem pela Tituba que de início resistiu por considerar incestuoso mas, que logo cedeu aos encantos do jovem. 

Um traidor entregou os planos e Tituba recebeu o que  não aconteceu em Salem, foi queimada em uma fogueira e se tornou ancestral protegendo a todos que lhe queriam bem.


Tituba amou demais o amor!
Maryse Conde

25 maio 2020

Cidadã de segunda classe

A experiência dessa leitura foi avassaladora. Trata-se de uma história autobiográfica e triste. A autora usou para falar da representação da mulher africana ao redor do mundo. 

A leitura pra mim teve um custo alto porque não é uma realidade distante da realidade da mulher negra brasileira.

O Mapa da Violência 2015, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), apontou um aumento de 54% em dez anos no número de homicídios de mulheres negras.

O livro ambientado na década de 60/70 conta a história de Adah que ao nascer quase fica sem registro tamanha a decepção familiar por ser menina. 

Sutilmente a realidade da mulher negra Igbo é pautada. O lamento por existir leis em Lagos que não permitem “corrigir” mulheres com agressão física. A fé cristã é fanática, todavia é colocada de lado quando queriam fazer pedidos a Deusa de um Rio. A colonização da estética da mulher negra com alisamento de cabelos com pente quente para se apresentarem “melhor” .

Nós, mulheres negras que já usamos o pente quente sabemos trata-se de uma prática torturante que levava a mutilação física de nossos corpos através de queimaduras acidentais. Constrangimento social devido aos odores de cabelo queimado. Tudo para atender uma demanda da sociedade.

Adah sabia que a escola era a única forma de se proteger da fome e da doença, no entanto, pelos costumes os meninos é que tinham o privilégio desse investimento. Ousada, por conta própria foi a uma escola assistir uma aula. A comunidade ao dar sua falta culpa a mãe pela ausência da menina e policiais aproveitam para torturar mãe por conta disso.

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Escolas que não ensinavam Iorubá ou nenhuma língua africana eram as mais caras. Realidade nossa também. Colégios Franceses, Portugueses, Americanos no Brasil tem infinitamente mais valor que um colégio pautado na tradição nacional.

Uma vez matriculada, na escola era castigada fisicamente pelo professor e com ajuda dos alunos. Perde seu pai ainda na infância e segundo a tradição meninas órfão são doadas ao irmão mais velho da mãe para trabalhar como doméstica pra ele. Assim foi feito. A única chance de se manter na escola era fazendo todas as tarefas da casa, incluindo dar várias viagens para buscar água para a casa.

Com uma vontade inesgotável de ter uma vida diferente não desistiu. Terminou o fundamental e armou um truque para pagar a inscrição para se candidatar a uma bolsa de estudo para cursar o ensino médio. Foi pega, sofreu castigos físico de seu tio, contudo ficou entre as primeiras colocadas e ganhou a bolsa.

Ao sair do internato se casa para poder ter uma residência. Ninguém de sua família comparece por raiva do noivo que não pagou o dote. Muito estudiosa e sonhadora planejava mudar para o Reino Unido.

Ainda na Nigéria consegue um excelente emprego. Um salário nunca imaginado assim seus planos estavam mais próximos. Mas por tradição o marido que foi enviado ao Reino Unido e ela sustentaria os estudos dele, o da casa dela e a casa da sogra.

Mais uma vez ela consegue se desenrolar e vai para o Reino Unido com os 2 filhos pequeno. Consegue lá um excelente emprego mas é uma cidadã de segunda classe.

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O marido, um estudante que se recusava a trabalhar e ir as aulas. Dizia ele que aprenderia mais se estudasse em casa. Acordada tarde, mal foleava as apostilas enquanto a mulher gravida do terceiro filho trabalhou até o último minuto da gestaçao.

A escritora descreve sucessivos comportamentos odiosos do marido. Controlava o dinheiro a espancava, não cuidava dos filhos, muitas amantes.

O covarde se escorava principalmente na religião cristã mas também nos costumes para legitimar a sua violência.

A protagonista não tinha amigos no Reino Unido e sofreu rejeição dos conterrâneos e dos latinos porque ela tinha um bom emprego e por ela se recusar doar os filhos em adoção para alguma família banca. Como se atrevia? Ter um bom salário, trabalhar em uma biblioteca, e ainda criar os próprios filhos. Por esse motivo foi expulsa de onde morava e teve o seu primeiro grande choque com o racismo pois nenhum lugar a aceitava como inquilina por ela ser negra, mesmo que ela oferecesse o dobro do valor. 

As atrocidade não são exclusividades da Nigéria. Lembro que quando morei no Nordeste uma vizinha vendia produtos de beleza e implorava que ninguém fosse a casa dela pagar pois o marido lhe tomaria o dinheiro. 

Conheço histórias de mulheres negras que tiveram toda as suas reservas delapidadas por seus homens. Um fato muito comum, mas que não é o caso do livro é de mulheres negras levar o companheiro para viver em sua casa, pagar os estudos dele, sustentar todas as despesas da casa sozinha e quando ele se forma ou passa em um concurso ela é substituída por uma mulher de pele clara, é chamada de louca, o ex companheiro alega que ela “fala alto demais”.




Buchi Emecheta

Há um filme na Netflix de nome Roxxane que conta a biografia dessa rapper. A história começa com a mãe pobre trabalhando arduamente em tudo que podia, junta cada centavo para dar entrada em uma casa. Seu companheiro lhe pede o dinheiro para ir encontrar com o corretor e desaparece, levando com ele o fruto do de muitos anos de trabalho e a esperança de um lugar melhor pra morar. Assim como a mãe a rapper é explorada economicamente e sexualmente em sua trajetória.

São necessário pausas para o leitor respirar e chorar. 

Ela se reinventa a todo momento e o marido tenta destruir cada progresso. Para o desespero dela, engravida pela quarta vez e o outro solta uma risada sádica pois pra ele isso representaria que ela não poder avançar. Com seu quarto filho, sem trabalhar fora, Adah escreve um livro, todo em inglês, o que pra ela representa mais um filho, foi ela quem gerou. Os colegas da biblioteca leem e adoram, a incentiva a datilografar e mandar para uma editora. 

O marido por inveja espera ela sair e queima página por página no fogão. Com um riso vitorioso. Então ela resolve mudar de vez o rumo de sua vida.

Buchi Emecheta
Apesar de ser um livro muito duro, é uma leitura mais que necessária. O uso indevido da fé e de costumes para manter opressões sobre a mulher negra tem que ser discutido, tem que ser falado em voz alta. 

22 maio 2020

Cultura Negra e a Ideologia do Recalque

        Trata-se de um debate acadêmico de como a cultura negra em toda a sua abrangência sofreu (e sofre) ataques genocidas para sua “diluição” que nada mais é que omitir elementos fundamentais, incluir elementos de outras culturas, no caso a europeia para que ela se torne mais palatável.

     O livro então, traz uma análise crítica a quem faz arte e a quem critica arte. Antropólogos, sociólogos, cineastas, artistas plásticas, músicos, escritores entre outras “autoridades". 

Julgamentos a cultura negra tendo a Europa como referência decai a uma falsa simetria que resulta teorias “animistas” e “fetichistas”.

        Muito se discute nessa escrita a importância de não hierarquizar e comparar visões de mundo diferentes. O céu, o paraíso, o pecado e o inferno dos cristãos com o Ayê e o Orum por exemplo. Uma filosofia não anula a outra e também não se sobrepõe. 

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      É o racismo que faz com que a sociedade omita os valores da civilização africana. Não é admissível para os racistas que haja possibilidade de existência fora da sua esfera de poder e de conhecimento. 

      O racista não é tolo. Ele estereotipa e demoniza, mas usurpa as ideias. O autor fala das obras de artes sequestradas do tempo colonial com valor inestimável e que estão trancadas a setes chaves nos grandes museus do ocidente. 

      Outro fator citado é o trabalho de Carlos Cavalcanti que fala sobre a experiência cubista de Picasso ser inspirado na cultura negra. Se tirados do contexto próprio de significação e comunicação a arte fica esvaziada e vulnerável ao arbítrio mais variados.

 
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      A temática foi abordada no filme Pantera Negra onde o descendente de Wakanda vai a um museu no ocidente para reaver uma peça ritualística e poderosa para o seu povo.
 
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          No Brasil terreiros de candomblé eram rotineiramente invadidos pela polícia que prendiam os participantes e líderes, destruíam a estrutura do território, mas sorrateiramente se apropriavam de esculturas, indumentárias, roupas e objetos sagrados (que até hoje está em poder da polícia)

            A exploração econômica  é aliada da dominação política, cultural e étnica. 

       A mestiçagem cultural foi uma estratégia estatal para eliminação da raça já que a ferramenta jurídica de exploração e destruição do negro foi derrubada com a abolição. Deslegitimar, impedir a formação de uma identidade, desumanizar tornaram-se estratégias para não incluir o negro enquanto cidadão. Sem humanização, sem direitos.  

     A riquíssima visão sagrada do mundo, as formas específicas de comunicação, a dimensão estética peculiar, conhecimentos científicos, da medicina, da matemática, da botânica, o saber filosófico, psicológico e pedagógico todos os valores civilizatórios são recalcados, estereotipados, embranquecidos.

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       O livro destaca o cinema brasileiro e o pavor da diferença, da alteridade. O cinema nacional é aliado a ideologia neocolonial. Uma lista de filmes é apresentado. Cacá Diegues foi criticado por Beatriz Nascimento que se sentiu ofendida como mulher negra e como historiadora dos excessos de estereótipos do filme Xica da Silva.

      Será o cineasta neutro? As lentes das câmeras mostram apenas verdades nos documentários ?

      Um capítulo é dedicado aos obstáculos de uma antropologia negra. Conhecer uma cultura ou um sistema simbólico partindo de outra cultura e de outros sistemas simbólicos. Perspectiva "de fora pra dentro". O uso indiscriminado da palavra “primitivo” para classificar o que é diferente. Resumir “evolução” de uma sociedade a escrita e máquinas e desconsiderar os valores e padrões próprios das diferentes sociedades como a tradição oral por exemplo.

O combate e a tentativa de eliminação da religião negra é a tentativa de impedir o avanço do processo civilizatório negro. Definitivamente a religião de matriz africana não é “ópio do povo”, são comunidades bem estruturadas. 

Explicações sobre as nações que aqui chegaram como por exemplo Nago e Jeje. O culto aos ancestrais como dinâmica tradicional. Sistema educacional. Literatura negro-brasileira d Mestre Didi. Chama a atenção para a Umbanda que ao ser elitizada foi embranquecida com discursos kardecistas.

Ancestralidade não se restringe a uma herança genética, mas sobretudo a um legado sócio cultural e histórico.

Na literatura o autor mostra a potência do conto e da oralidade. A escrita tem suas limitações. A voz, o som, a respiração são formas especificas de transmissão de valores. Comunicação ligada a experiências vividas que marcam o fortalecimento da identidade, do lugar e da função do individuo na sociedade.
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Verifica-se ainda que na contextualização estética, nega-se nas artes plásticas, os seus símbolos e signos a influência na arte europeia. Símbolos litúrgicos são tirados de seus significados para uma apresentação apenas material. Universalização é tirar a carga original, é colonização.

Xango e Exu receberam um destaque. O primeiro proporciona o bem viver comunitário, o equilibro político através da justiça no cumprimento das regras de tradição de valores e o outro é quem garante a ação do orixá, patrono da relação sexual, garantindo a expansão das espécies favorecendo o ciclo vital. Seus símbolos e significados são bem descritos. 

Eu particularmente fiquei com uma dúvida. Quantos Orixás temos?

A música percussiva é o elemento ritual que promove relação entre os membros das comunidades com os ancestrais e os orixás. Uma percussão ritma sincopada que condensam e expressam a dinâmica entre o Orum e o Ayê.

Não está no livro, mas aproveito para declarar: Candomblé do mal ou Candomblé vegano são mentiras criadas propositalmente.


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21 maio 2020

Mulheres, raça e classe



Ângela inicia anunciando a que havia um déficit de conhecimento sobre a vida das mulheres escravas que eram referidas como promíscuas.  

Desprovidas de gênero trabalhavam igualmente aos homens nas lavouras recebendo o mesmo nível de opressão com apenas um diferencial, a coerção sexual. Com poder econômico o homem branco tinha acesso ilimitado ao corpo da mulher negra.


 O estupro era arma de dominação que ao mesmo tempo combatia a resistência das escravas e desmoralizava seus companheiros. Nas raras vezes que era tratadas com indulgência na gravidez, era exclusivamente para proteger a “propriedade”, a criança que estava por vir.

Famílias escravizadas eram desfeitas a força, os brancos se surpreendiam e temiam a forma como os escravizados criavam seus laços afetivos e relações familiares "como se fossem seres humanos”. O zelo de mulheres e homens ao prover alimentação, cuidado com as crianças, aquecimento do local de dormir eram formas de carinho que não podia ser apropriado pelo opressor. 

Histórias são relatadas: mulheres negras líderes natas desde a adolescência comandavam fugas, resistiram aos abusos sexuais, cometiam o infanticídio (para não deixar a filha saber o que uma mulher sofre como escrava), sabotavam, aprendiam a ler e escrever de forma clandestina e passar para as outras. 

Mulheres negras resistiam e desafiavam a escravidão o tempo todo. 

Harriet Tubman é um dos maiores ícones da libertação escrava. Com seus conhecimentos ancestrais a ensinou a caminhar silenciosamente pela mata e a localizar plantas, ervas e raízes que serviriam de alimento e remédio aprendeu com o pai a cortar árvores e abrir trilhas e assim em 19 viagens libertou centenas de escravos.
Harriet Tubman

             Mesmo com colaborações inestimáveis a luta antiescravista a mulher branca nunca compreendeu a complexidade do que era ser uma mulher negra escrava e frequentemente evocavam a metáfora da escravidão quando tentavam expressar suas opressões.

As falsas simetrias se mantém até os dias de hoje. Nas fotos mulheres bancas comparam o uso obrigatório de máscara para prevenção da transmissão do COVID 19 ao uso da mascara de flandres. Na primeira foto o cartaz diz: “Só escravos e cachorros usam mordaças”.


Foto internet
Foto internet

O movimento antiescravista contou com militantes como Frederick Douglass que também foi também o homem de maior destaque na causa da emancipação feminina em sua época e foi muito ridicularizado por isso.
Frederick Douglass

A autora trouxe reflexões sobre o livro A Cabana de Pai Tomás que me fez lembrar um pouco do clássico brasileiro Casa Grande e Senzala, ambos certificam a veracidade do ditado: “de boas intenções, o inferno está cheio”. O livro com intenções abolicionista determina que o negro tem características inerente a sua raça essencalizando esteriótipos a raça negra.

Uma série de mulheres brancas aliadas e seus feitos são descritos. Como Prudence Crandall que enfrentou a sociedade pela educação dos negros. Mulheres de classe média aderiram a campanha anti escravagista e por opressões machistas foram deslegitimadas, assim criaram suas próprias organizações contavam com a participação de mulheres negras e chegaram a ser escudo humano de alguma delas. Ao final de uma reunião  havia um grupo racista pretendiam atacar violentamente essas mulheres negras então combinaram que cada mulher negra só sairia do local com uma mulher branca ao seu lado.

            Na campanha pelo direito das mulheres várias lideranças brancas se destacavam, mas ignoravam a situação das trabalhadoras brancas de classe baixa e das mulheres negas. O foco era o direito ao voto para mulheres. Se negavam a falar da situação das mulheres negras e assim se demonstravam abolicionistas, mas não antirracistas. 

            Na trajetória feminista houve muita traição e sabotagem. Quando os homens brancos vislumbraram um aumento na superioridade masculina se tivesse votos dos homens negros, as mulheres brancas incandescidas começaram uma campanha para que os negros não votassem e com isso as máscaras foram caindo e seus ideais racistas vieram à tona. Progressistas se aliaram a supremacistas brancos para impedir o voto dos negros.

Sojourner Truth mulher negra ex escravizada com sua voz que soava como “o eco de um trovão” aspirava ser livres não apenas da opressão racista, mas também da dominação sexista. A transcrição do seu discurso “Não sou eu uma mulher? é ate hoje um dos mais citados na história dos afro-americanos.


O sentimento antinegro era profundo, generalizado e potencialmente assassino. Tudo que poderia levar o negro a uma emancipação era destruído. O encarceramento em massa por motivos pífios viabilizava a mão de obra carcerária. Mulheres negras que resistissem a estupros eram encarceradas e enviadas a trabalhar nas fazendas.

            Enquanto trabalhadoras domésticas, o risco de abuso sexual era um dos maiores riscos a profissão e o homem negro que defendesse a esposa era punido. Disse W. E. B. Du Bois, qualquer homem branco “decente” cortaria o pescoço da própria filha antes de permitir que ela aceitasse um emprego doméstico.

            Em Nova Iorque havia o “mercado de escrava”. Mulheres negras ficavam na esquina da rua 67 aguardando serem escolhidas por alguma mulher branca para trabalhar.
Cumpriam 72 horas de trabalho por semana e recebiam uma remuneração mínima que muitas vezes não correspondiam ao combinado e as vezes recebiam roupas velhas como pagamento.

            Feministas branca lutavam para que balconistas tivessem cadeiras para sentar, mas suas empregadas negras eram submetidas a uma jornada de 14 horas diárias lavando, passando, arrumando, cozinhando e cuidando dos filhos.

            O mito do estuprador negro foi criado para justificar o racismo científico e bestialização da raça negra. O assassinato de pessoas negras era “prevenção” a levantes e revoltas. Grupos como Ku Klux Klan e Cavaleiros da Camélia Branca alegavam que os linchamentos era para impedir uma suposta supremacia negra contudo essa justificativa não estava sendo mais plausível então passaram a alegar que era proteger as mulheres brancas de estupro.

Mulheres brancas assistiam aos linchamentos e levavam seus filhos que desde pequeno eram doutrinados a destruir o corpo negro.

Foto da internet
            O controle da natalidade toma voz quando mulheres brancas passam a exigir o direto de não ter filho. Para elas uma vida profissional, uma carreira acadêmica estaria em jogo caso fossem apenas donas de casas parideiras. Mas no debate não foi incluído a realidade das mulheres negras e da classe trabalhadora que não queriam ter tantos filhos por se encontrarem em situação de extrema pobreza. 

            Com a diminuição da taxa de natalidade entre mulheres brancas um novo pretexto surge para justificar as barbáries contra o corpo negro. Com medo de que a população negra pudesse superar em número a população branca a esterilização compulsória foi instituída pelo estado. 

Por influências eugenistas crianças negras eram esterilizadas como prevenção. Tentava-se evitar nascimento de prováveis inaptos: “Pessoas com atraso e deficiência mental, epilépticas, analfabetas, miseráveis, que não tem condições de obter um emprego, criminosas, prostitutas e viciada. 

O ex governador do Rio e atual presidiário Sergio Cabral sugeriu aborto para prevenção da violência no estado do Rio de Janeiro.





O livro foi lançado em 1981 e é um grande estudo de como o capitalismo atua no universo das mulheres estadunidenses. A exploração racial e sexual. Contextualiza o feminismo branco e as pautas da mulheres negras. Localiza a mulher negra em meio a escravidão e “libertação”, desmistifica o mito do homem negro estuprador.











14 maio 2020

Intolerância Religiosa

O apagamento do valor civilizatório dos povos africanos no Brasil por certo é uma investida antiga. A religião é uma de suas tecnologias.

O medo por vezes impede que adeptos não assumam publicamente o seu culto a tradição de matriz africana. 

As agressões são direcionada a seus corpos através de pedrada em via pública, de sua cidadania na descriminação no local de trabalho, no abalo de sua honra ao serem acusados de fazedores do mal, do espaço sagrado com destruição das instalações do terreiro. 

Para o agressor, um pedido de desculpas lhe é legitimado.

O psiquiatra Nina Rodrigues com seu racismo científico alegava que o negro era de uma raça diferente, inferior, não propenso a civilização e com desvio de conduta tendendo a criminalidade. Abdias do Nascimento nos lembra que esse médico deu o ponto inicial do estudo psiquiátrico classificador do êxtase místico ao nível da histeria ou manifestação patológica. 

As casas de culto de matriz africana necessitavam de registro policial para funcionar. Os terreiros se localizavam em áreas remotas e mesmo assim eram vítimas de operações policiais que aproveitavam para saquear o espaço sagrado retendo esculturas rituais, objetos do culto, vestimentas litúrgicas, assim como eram encarcerados sacerdotes, sacerdotisas e praticantes do culto. 

A discriminação e a perseguição por motivos religiosos são marcas históricas de uma humanidade perversa e racista. O autor traz Fanon para nos lembrar, que o racismo e a racialização são expoentes das relações capitalistas. 

Na inquisição católica o lema era combate a heresia, mas o confisco dos bens do pecador se tornou uma atividade altamente rentável.

Foto internet. Terreiro destruído

A fé é uma escusa para por em pratica um projeto de poder. A tolerância assim como o mito da democracia racial são estratégias sufocadoras de debates que merecem mais destaques pois ninguém fica confortável na posição de suportado. Como bem disso o autor, quem tolera não respeita, não quer compreender, não quer conhecer.

O europeu em seu etnocentrismo e colonialismo não reconhece e condena tudo que é do outro. Hierarquiza, classifica, oculta, segrega, silencia e apaga o que oferece perigo à manutenção do seu local social de dominador ou algo que ameace seus privilégios.

Na perspectiva “desde dentro para desde fora” Babalorixás como Pai Nildo de Oxaguian, Daniel de Oxaguian, a iyalode Marisa de Oyá e Mãe Nadia de Ominodõ de Ologunedé que são intelectuais orgânicos, trazem no livro suas experiências e visão de mundo em torno do racismo e intolerância religiosa.

Seus relatos não são de observadores externos sem o conhecimento cultural do sistema simbólico da religião, mas de lideranças que mantém em curso o processo civilizatório herdado dos antepassados africanos. 


Foto Internet 

O pavor da alteridade criou inimigo e/ou bode expiatório: “Além de preto é macumbeiro”. 

Essa dupla opressão coincide em culpar os que decidem seguir os saberes cosmológicos africanos. Como alternativa para a “liberdade e a verdade” há os pseudo-heróis salvadores como a igreja universal do reino de Deus e antes deles no período colonial o escravizado tinha o batismo católico compulsório como uma conduta salvação já que “não tinham alma”. 

A sacralização animal recebe destaque no livro. Respeitando o que pode ser compartilhado com quem não passou pelo processo iniciático. O rito é detalhado com seus signos bem explicados.

 Em 28 de março de 2019 o STF decidiu por unanimidade, que é constitucional o sacrifício de animais em cultos religiosos. A batalha foi longa e árdua, mas não por falta de motivos sacro tão bem apresentados nesse livro e nem por medo dos opositores que tinham como prova fotos de animais mortos e jogados em estradas e viadutos que não tinham nenhuma relação com o Candomblé e demais religiões de matriz africana. 

O medo era do racismo institucional já que a decisão final estava em poder de mãos brancas.

Uma pseudo ativista pelos direitos dos animais ficou magoada com a decisão do STF divulgou foto de filhotinho de cachorro insinuando que e eram um animal de sacrifício. A mentira e a tentativa de desqualificação dos saberes negros é uma estratégia que parece que não tem fim.

A sociedade branca cristã fracassou ao optar por manter um sistema que vive da punição, tortura e do encarceramento. 

Nos saberes africanos as escolhas são que definem o caminho. Não existe pecado, não há condenação de orientação sexual ou identidade de gênero, a religião é em pro de um crescimento pessoal.  Tudo é sagrado, exceto o mau-caratismo.

O autor encerra o livro nos dando uma rica visão de mundo pela perspectiva africana:

A episteme preta não é excludente, não quer dizimar o outro, não quer ou não precisa invalidar a alteridade para edificar a existência de sentidos novos, diversos e diferentes. Os deuses alheios não são falsos, demoníacos ou inexistentes.  

O que não se agrega não precisa ser diminuído, nem suas potências espirituais precisam ser colocadas em dúvida ou até amaldiçoadas, assim como pastores e padres vêm fazendo em seus discursos, como único caminho para o convencimento dos mais vulneráveis à aceitação de uma fé única. A caminhada do outro é a caminhada do outro; ele e sua caminhada devem ser respeitados.

A liberdade de crença esta expressa no artigo 5º da constituição de 1988. O disque 100 é uma ferramenta de denúncia e deve ser divulgada. 

Livro potente e necessário para pensarmos o dia de hoje. Não é sobre religião, mas sobre a existência. Professor Sidnei Nogueira foi muito feliz em abordar o tema de uma forma acadêmica e didática.
Babalorixá Sidney Barreto de Xangô