A experiência dessa leitura foi avassaladora. Trata-se de uma história autobiográfica e triste. A autora usou para falar da representação da mulher africana ao redor do mundo.
A leitura pra mim teve um custo alto porque não é uma realidade distante da realidade da mulher negra brasileira.
O Mapa da Violência 2015, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), apontou um aumento de 54% em dez anos no número de homicídios de mulheres negras.
O livro ambientado na década de 60/70 conta a história de Adah que ao nascer quase fica sem registro tamanha a decepção familiar por ser menina.
Sutilmente a realidade da mulher negra Igbo é pautada. O lamento por existir leis em Lagos que não permitem “corrigir” mulheres com agressão física. A fé cristã é fanática, todavia é colocada de lado quando queriam fazer pedidos a Deusa de um Rio. A colonização da estética da mulher negra com alisamento de cabelos com pente quente para se apresentarem “melhor” .
Nós, mulheres negras que já usamos o pente quente sabemos trata-se de uma prática torturante que levava a mutilação física de nossos corpos através de queimaduras acidentais. Constrangimento social devido aos odores de cabelo queimado. Tudo para atender uma demanda da sociedade.
Adah sabia que a escola era a única forma de se proteger da fome e da doença, no entanto, pelos costumes os meninos é que tinham o privilégio desse investimento. Ousada, por conta própria foi a uma escola assistir uma aula. A comunidade ao dar sua falta culpa a mãe pela ausência da menina e policiais aproveitam para torturar mãe por conta disso.
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Escolas que não ensinavam Iorubá ou nenhuma língua africana eram as mais caras. Realidade nossa também. Colégios Franceses, Portugueses, Americanos no Brasil tem infinitamente mais valor que um colégio pautado na tradição nacional.
Uma vez matriculada, na escola era castigada fisicamente pelo professor e com ajuda dos alunos. Perde seu pai ainda na infância e segundo a tradição meninas órfão são doadas ao irmão mais velho da mãe para trabalhar como doméstica pra ele. Assim foi feito. A única chance de se manter na escola era fazendo todas as tarefas da casa, incluindo dar várias viagens para buscar água para a casa.
Com uma vontade inesgotável de ter uma vida diferente não desistiu. Terminou o fundamental e armou um truque para pagar a inscrição para se candidatar a uma bolsa de estudo para cursar o ensino médio. Foi pega, sofreu castigos físico de seu tio, contudo ficou entre as primeiras colocadas e ganhou a bolsa.
Ao sair do internato se casa para poder ter uma residência. Ninguém de sua família comparece por raiva do noivo que não pagou o dote. Muito estudiosa e sonhadora planejava mudar para o Reino Unido.
Ainda na Nigéria consegue um excelente emprego. Um salário nunca imaginado assim seus planos estavam mais próximos. Mas por tradição o marido que foi enviado ao Reino Unido e ela sustentaria os estudos dele, o da casa dela e a casa da sogra.
Mais uma vez ela consegue se desenrolar e vai para o Reino Unido com os 2 filhos pequeno. Consegue lá um excelente emprego mas é uma cidadã de segunda classe.
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O marido, um estudante que se recusava a trabalhar e ir as aulas. Dizia ele que aprenderia mais se estudasse em casa. Acordada tarde, mal foleava as apostilas enquanto a mulher gravida do terceiro filho trabalhou até o último minuto da gestaçao.
A escritora descreve sucessivos comportamentos odiosos do marido. Controlava o dinheiro a espancava, não cuidava dos filhos, muitas amantes.
O covarde se escorava principalmente na religião cristã mas também nos costumes para legitimar a sua violência.
A protagonista não tinha amigos no Reino Unido e sofreu rejeição dos conterrâneos e dos latinos porque ela tinha um bom emprego e por ela se recusar doar os filhos em adoção para alguma família banca. Como se atrevia? Ter um bom salário, trabalhar em uma biblioteca, e ainda criar os próprios filhos. Por esse motivo foi expulsa de onde morava e teve o seu primeiro grande choque com o racismo pois nenhum lugar a aceitava como inquilina por ela ser negra, mesmo que ela oferecesse o dobro do valor.
As atrocidade não são exclusividades da Nigéria. Lembro que quando morei no Nordeste uma vizinha vendia produtos de beleza e implorava que ninguém fosse a casa dela pagar pois o marido lhe tomaria o dinheiro.
Conheço histórias de mulheres negras que tiveram toda as suas reservas delapidadas por seus homens. Um fato muito comum, mas que não é o caso do livro é de mulheres negras levar o companheiro para viver em sua casa, pagar os estudos dele, sustentar todas as despesas da casa sozinha e quando ele se forma ou passa em um concurso ela é substituída por uma mulher de pele clara, é chamada de louca, o ex companheiro alega que ela “fala alto demais”.
Buchi Emecheta |
Há um filme na Netflix de nome Roxxane que conta a biografia dessa rapper. A história começa com a mãe pobre trabalhando arduamente em tudo que podia, junta cada centavo para dar entrada em uma casa. Seu companheiro lhe pede o dinheiro para ir encontrar com o corretor e desaparece, levando com ele o fruto do de muitos anos de trabalho e a esperança de um lugar melhor pra morar. Assim como a mãe a rapper é explorada economicamente e sexualmente em sua trajetória.
São necessário pausas para o leitor respirar e chorar.
Ela se reinventa a todo momento e o marido tenta destruir cada progresso. Para o desespero dela, engravida pela quarta vez e o outro solta uma risada sádica pois pra ele isso representaria que ela não poder avançar. Com seu quarto filho, sem trabalhar fora, Adah escreve um livro, todo em inglês, o que pra ela representa mais um filho, foi ela quem gerou. Os colegas da biblioteca leem e adoram, a incentiva a datilografar e mandar para uma editora.
O marido por inveja espera ela sair e queima página por página no fogão. Com um riso vitorioso. Então ela resolve mudar de vez o rumo de sua vida.
Buchi Emecheta |
Apesar de ser um livro muito duro, é uma leitura mais que necessária. O uso indevido da fé e de costumes para manter opressões sobre a mulher negra tem que ser discutido, tem que ser falado em voz alta.
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