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29 abril 2020

O genocídio do negro Brasileiro- Processo de um Racismo Mascarado


Primordialmente o autor contextualiza como o escrito chegou ao público. 

Originalmente foi um ensaio para o colóquio do Segundo Festival Mundial de Artes e Culturas Negras realizado em Lagos de 15 de janeiro a 12 de fevereiro de 1977, porém foi rejeitado. 


Não fiquei surpresa pois os assuntos não estão em consonância com a imagem que  sociedade brasileira queria se mostrar ao mundo.  

Fiquei deveras triste pois se o governo  tivesse trabalhado (aqui) o material desse livro, hoje teríamos uma outra realidade. Fim do racismo? Não. Mas estaríamos mais adiante para a conquista de nossa cidadania real. 

Ao se averiguar como hoje se fala sobre sexualidade e gênero como um assunto incentivador ao coito, da mesma forma,  o documento foi tido como propagador de crenças ideológicas. Os 6 delegados enviados pelo Brasil se quer se manifestaram, em omissão não quiseram estar envolvidos em debater as questões raciais do Brasil. 

A imprensa Nigeriana documentou a rejeição e por conseguinte se despertou a curiosidade para saber as condições do negro brasileiro.

Em vista disso o trabalho foi mimeografado (me sinto tão velha por saber o que é isso) e distribuído aos participantes do Colóquio que se organizaram em 5 grupos para discursão. Dessa maneira propostas foram lançadas. A delegação brasileira tentou impedir que as propostas fossem colocadas visto que Abdias não era um delegado oficial.

O ano era 1977 e o documento denunciava que o Brasil não fazia de forma obrigatória o estudo da história da África e consequentemente  negando a mais da metade da população do país conhecer sua história e raízes que por certo lhe ajudariam a formar uma identidade. 

Somente em 09 de janeiro de 2003 que a lei 10.639 foi assinada. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. 

Não posso deixar de comentar que estava na proposta, mas foi vetado que professores deveriam contar com a participação de entidades do movimento afro-brasileiro. Eu acho que ficaram com medo da revolução.

Os delegados oficiais produziram monografias de pretenso caráter científico (grifo do autor) e colocavam o afro-brasileiro e africano como objeto de pesquisa e destituído de humanidade e dinâmica histórica.

ATENÇÃO: a partir de agora vou usar o símbolo * para os falsianes

Um dos delegados Dr. George Alika (*) descreveu a religião de matriz africana como culto primitivo, mágico e animista. Esse autor seguia os estudos de Nina Rodrigues (*) que dizia que o transe era manifestação de histeria e patológico.

Outro delegado Antônio Vieira (*) não teve seu trabalho distribuído no colóquio, entretanto ele fez um pronunciamento onde omitiu qualquer referência aos problemas dos descendentes dos africanos no Brasil. 

Abdias é um escritor orgânico pois a matéria investigada também lhe atravessa de forma pessoal. 

Cita vários autores como o professor  Thales de Azevedo (*) que assegura que o mito da democracia racial é “orgulho nacional”. Fala de Gilberto Freyre (*) e o seu termo criminoso: morenidade (em uma única palavra ele consegue propor o desaparecimento do negro físico e espiritualmente através de estratégias de branqueamento).

O negro escravizado foi imprescindível para história econômica do Brasil. Café, Cana de açúcar, ouro e diamantes eram explorados pelos negros a base de violência e crueldade porém tampouco tiveram  recompensa financeira e ou simbólica, pois todo o conhecimento e ciência era bagagem dos escravizados.

O sistema escravocrata forçou uma fama de ser uma instituição benigna. O colono português utilizava de mentira e dissimulação para encobrir sua natureza racista e espoliadora. Ainda ousou dizer que a escravidão que já existia em África era semelhante à sua.  As ameaças e corrupção dos chefes tribais não foram contextualizados. O passado Africano fora distorcido. Há corajosos que citam que houve senhores escravocratas “bons e humanos”. Os supostos Senhores Benevolentes.

Os missionários cristãos tiveram uma participação efetiva e entusiástica no cruel, terrível e desumano tráfico negreiro.  Exemplos como Padre Antônio Vieira (*) e sua firme posição racista.  

Pierre Verger (*) um branco europeu que se intitulava porta voz do estudo sobre o negro e o africano disse que o Brasil é um local racialmente harmonioso e que o branco não é racista com o negro. 

O mesmo, glorifica a imagem da “mãe preta” amamentando a criança branca. Pelo contrário, essa imagem foi um dos mais terríveis crueldade racista do tempo escravocrata. Mulheres negras foram estupradas ou engravidavam de uma relação afetiva, mas não tinha direito a seu filho. 



A criança quando não vendida, não tinha o direito de ser amamentado pela própria mãe pois seu leite era propriedade do senhor que podia oferta-lhe a seus próprios filhos ou alugar/vender essa escravizada para que amamentasse outra criança. Não há nada de harmonioso nesse “símbolo” destacado por Verger.

A mulher negra foi escravizada, impedida de estabelecer qualquer estrutura familiar, prostituída e estuprada sistematicamente. Até hoje tem desprestígio social. O autor cita um velho ditado popular, mas continua atual
Banca pra casar,
Negra pra trabalhar
Mulata pra fornicar

Pierre Verger em plena Universidade de Ifé aplaude a violência sexual a mulher africana quando exalta algumas situações da relação dos filhos dos brancos donos de plantação com os escravizados:
“...teriam a sua iniciação sexual com garotas negras trabalhando nas casas grandes...” 

O Africano inválido, enfermo incurável ou idoso era lixo humano na concepção dos escravocratas que lhes concediam alforria para não lhe oferecer apoio ou subsistência.

Manter os Africanos e seus descendentes fora da sociedade exonerava as responsabilidades dos senhores, do estado e da Igreja. 

Monteiro Lobato (*) endossava o coro de que o negro sequestrado e trazido da África sob grilhões era o causador do “problema racial brasileiro" e que de certo o faziam de propósito por vingança. O autor infantil apostava suas esperanças em são Paulo que estava sendo injetado de sangue europeu.

O mulato (mantendo o termo original do livro) era geralmente fruto estupro da mulher negra e tinha designação especial no sistema escravocrata: feitor, capitão do mato entre outras tarefas de confiança. 

O branqueamento sistemático era tido como uma esperança para se aniquilar a “mancha negra” da sociedade” era uma aposta que tinha como objetivo a eliminar da raça negra ou seja, seu genocídio. 

O escritor José Veríssimo (*) exaltou que a mistura das raças iria eliminar a raça negra. Vários outros intelectuais com a mesma linha de pensamento foram citados.

A política imigratória foi instrumento básico para o branqueamento. Um decreto em 1890 proibia a entrada de indígenas da Ásia e Africanos. 

Getúlio Vargas (*) no fim do seu governo assinou o  decreto N 7.967 que dizia:

“Atender-se-á, na admissão dos imigrantes, à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência europeia, assim como a defesa do trabalhador nacional.”


Rui Barbosa (*) em 1899 mandou incinerar documentos financeiros da escravidão para proteger o Estado, pois os escravocratas pretendiam pedir indenização devido o fim da escravidão oficial. Ato esse que fez com que perdêssemos documentos indispensáveis para uma análise histórica da escravidão. 

A discussão pública do racismo e discriminação racial era inibida e o regime militar agia de forma violenta.

A discriminação racial é a base da desigualdade social. A “boa aparência” nos anúncios de emprego era uma forma de dizer que a vaga não era para uma pessoa de fenótipo negroides irrefutáveis. A cor da pele é uma variável de peso na desigualdade econômica  em que o negro se encontra. 


A cultura Africana foi folclorizada para se tornar palatável.

 A religião de matriz africana era a única religião que era exigido registro policial. As casas passavam por inúmeras invasões onde eram confiscadas esculturas rituais, objetos de culto, vestimentas litúrgicas e as lideranças eram encarceradas.

O autor é fundador do Teatro Negro experimental... Enfim

O livro é um patrimônio imaterial. É inumerável a contribuição que o autor coloca no livro  do que é ser negro no Brasil. 

Abdias do Nascimento: Presente!
Abdias do Nascimento

22 abril 2020

Amada

Amada é um livro baseada em uma história real. Ganhou o ganhou o Pulitzer de 1988 dentre outros.

Antes de mais nada é preciso dizer que o livro fala de amor, amizade e maternidade. Desnuda a construção das relações afetivas dos negros escravizados. 

Há um número grande de personagens e a autora lhes concede vida e individualidade. Explora seus sentimentos, emoções e reações aos acontecimentos da vida. A todos eles são dados humanização negada pelo branco. 

Os personagens contam as suas histórias. Sao sujeitos, sao protagonistas da própria existência. Falam de dores que não podem mais ser naturalizadas. 

Para citar alguns temos a Sethe, uma escravizada que comete infanticídio para proteger os filhos do sistema escravocrata 

Antes de ser vendida para “Doce lar” ela tinha acesso mínimo a sua mãe uma vez que escravizada trabalhava initerruptamente e quando chegava Domingo o cansaço físico não permitia interação com a filha. 
 
Foto: internet
Nos dias de hoje babás e empregadas domésticas, trabalhadoras majoritariamente negras experimentam mesmo processo. Passam a semana inteira dormindo no trabalho longe de filhos, amigos, companheiros. É de crucial importância lembrar que a Emenda Constitucional 72, mais conhecida como a PEC das Domésticas (PEC 66/2012) por analogia, é um dos pilares da angústia dos que pedem o “Brasil de volta”. Ademais faz-se costume "pegar" uma menina criança ou adolescente do interior pra “ajudar”. Desse modo chama a atenção de como a estrutura racista perpassa a convivência da população negra. Vínculos e convívio extremamente limitados. Não é à toa que a fragilidade de nossas relações está sempre em destaque nos nossos debates. 

Após anos vivendo sozinha Sethe teve um relacionamento amoroso e quando seu parceiro inesperadamente inicia um dialogo, embora sem saber qual o assunto, ela se prepara para aceitar, liberar e desculpar seja o que for. Mulheres negras ainda compartilham dessa angustia. Muitas se mantem em relacionamentos que não lhe agrega pelo medo da tão certa solidão.  Deixa o coração pronto para perdoar e continuar. 

Selo Pago o personagem que é o grande amigo da comunidade negra.  Dotado de múltiplas tarefas como agente, pescador, barqueiro, rastreador, salvador, espião. Ajudava a todos, se dedicava a fazer tudo que pudesse em pró dos seus.  Contudo, ele tem um segredo do passado. Mediante atos reprováveis do branco sua vingança se concretizou em quem não merecia.

Paul D foi conviveu com Sethe na juventude até que ela fugiu da Doce lar com os filhos. Ambos se reencontraram anos depois e ele então conheceu Denver a filha de Sethe.  Observando o comportamento de ambas,  advertiu a amiga  do quão perigoso era amar, principalmente se o amor fosse dedicado a uma filha.  
 
Foto: internet
É exemplificado através desse personagem como era a existência do homem negro. Era preciso se esconder, roubar pra comer, dormir em árvores durante o dia para poder caminhar a noite, fugir de atacantes, patrulheiros de escravos fugido. 

Ele foi Guerra, mas os negros não tinham direito a ter arma e recebiam menos que os soldados brancos. No Brasil o filho do senhor branco quando convocado a servir o exército enviava em seu lugar o escravo para sofrer os riscos em seu lugar.  

Nas fugas contava com o apoio dos índios Cherokees ou dos Miami que acreditavam que a terra era sagrada e tiveram suas montanhas cortadas em estrada, poços e casas arrancados.

O encarceramento pelo sistema prisional era um lugar de violência sexual aos homens negros além da tortura física e psicológica. Não muito diferente dos dias atuais.

A mulher negra além de escravizada, era também prostituida e os senhoras ainda as alugavam para sexo com intuito de procriação. A mulher negra era impedida de estabelecer qualquer estável estrutura de família. No Brasil também há relatos onde Portugueses de forma lasciva, indolente e gananciosa prostituiam as escravizadas como forma de renda.

A Sogra de Sethe era a Baby Suggs.  Teve sua alforria comprada pelo filho. Com o quadril quebrado por trabalhar em exaustão nos campos então a transferiram para os serviços domésticos. 

Todos que ela conhecia ou amou na vida, haviam fugido, enforcado, alugado, emprestado, comprado, trazido de volta, preso, hipotecado, ganhado, roubado ou tomado. Realidade que enfraquece laços afetivos.

No advento da para muitas não valia a pena olhar para os filhos ao nascer ou tentar aprender seus traços, na certa seriam todos vendidos e o desapego doloroso para mãe e filho.

Essa personagem destrói o mito do senhor Benevolente. Doce lar era uma fazenda que pertencia a um casal de brancos que eram contra a escravidão, se orgulhavam de não realizar castigos físicos e de chamar os escravos de homem, mas os mantinham no sistema escravista. A privação da liberdade e o trabalho exaustivo sem remuneração era mantido. Se orgulhava de permitir que o filho da Baby trabalhasse de forma brutal para comprar a alforriada dela ao invés de simplesmente concede-la.

Baby Suggs dizia:  “Não existia má sorte no mundo, mas sim gente branca”.
 
Foto: internet
A resiliência se faz presente. Filho cuida de mãe. Mãe cuida de filho. Tudo dentro das possibilidades muitas vezes não convencional.

A solidariedade imperava entre os escravizados e libertos. Ajuda mútua, orações, banquetes, códigos/sinais para organizar ou apoiar as fugas, agasalhar a quem tem frio, alfabetizar. 

Amada é o fantasma da filha falecida de Sethe ela interage com a família. Ela é o pilar de toda a trama.

 “gente que morre mal não fica no chão”

Envolvente e misterioso.  

Uma escrita intrigante. No inicio ficamos muito perdidos e ai onde vamos encaixando as peça e tudo faz sentido. 

Toni Morrison não da nada de mão beijada. O leitor que lute!
Toni Morrison

20 abril 2020

O amanhã não está a venda

Ailton Krenak é um ativista do movimento socioambiental e da defesa dos direitos dos indígenas. 

O autor nos presenteia com mais um texto que me levou a refletir sobres os próximos passos da humanidade. Na verdade é de suma importância que nos questionemos:

Somos de fato uma humanidade?

Debate-se sobre uma porventura transformação do mundo mediante a pandemia. 

Observa-se que tal cenário, onde há uma doença de fácil contágio e que a depender de sua gravidade pode causar a falta de ar, o aumento da demanda de ar é imprecindivel  para o tratamento. O oxigênio atmosférico é de graça e pra todos, mas no COVID 19 pode ser  necessário o uso de uma máquina para fazer com que o oxigênio entre no corpo e garanta a vida.  

É conveniente recordar-se que nem todos terão acesso a essa máquina. As desigualdades raciais existentes na nossa sociedade estratifica quem tem acesso a assistência especializada. O atual ministro da saúde declarou que é um DESPERDÍCIO comprar um elevado número de máquinas para salvar o maior número de vidas possíveis pois após SALVAR as vidas, o que teremos? Aparelhos sem utilidade econômica e pessoas vivas. Que desperdiço né? (toneladas de ironia aqui)

Somos de fato uma humanidade?

Segundo a historiografia nota-se que o o comportamento da sociedade se repete mediante afinidades. No Brasil hoje, vivemos uma adoração explícita pelo fascismo e com os ideais nazistas. Poderíamos pensar, poxa essas coisas são da Itália e da Alemanha, o brasileiro só está sendo inocente. Não, não há nada de inocência, existe sim intencionalidade de estratificar ainda mais a sociedade.

Somos de fato uma humanidade?

O Brasil viveu quase 400 anos oficialmente escravizando seres humanos. Pela facilidade de rota através do atlântico, mulheres e os homens negros eram objetificados e transformados em mercadoria de fácil substituição. O negro escravizado trabalhava arduamente por média de 7 anos e quando aleijado ou mutilado ou idoso,  quando haviam lhe estragado as pernas, costas, cabeça, olhos, mãos, rins, útero, língua e não restava mais nada para explorar, aqueles que sobreviviam eram lidos como lixo humano, dava-se a “alforria” que na verdade era uma forma oficial do estado de esse eximir de qualquer responsabilidade sobre aquele corpo. E com o propósito de manter essa estratégia, a reforma da previdência segue o mesmo pensamento. Não podendo mais forçar a trabalhar a base de chicotada e nem usar um pelourinho no meio de Madureira, força-se a trabalhar desde a juventude até a idade onde biologicamente não se consegue mais ser tão produtivo, por isso o aumento do tempo de contribuição. Cada segundo de vitalidade “pertence” a produção de riqueza para um grupo privilegiado. Reduziu-se o valor da aposentadoria deixando claramente que a responsabilidade de cuidar desse corpo inválido ou não, produtivo ou não, nao é do estado. 

Somos de fato uma humanidade?

O roubo e ocupação territorial pelos europeus provocou ao longo dos séculos, cerca de 70 milhões de mortos. O genocídio indígena é considerado o maior genocídio da história da humanidade.
Foto: internet 
O genocídio das populações indígenas no Brasil é uma ação do estado desde sempre. Em 1976 Rangel Reis, em nome do governo declarou em uma entrevista a meta do presidente Geisel que era em 10 anos reduzir a 20 mil os 220 mil índios existentes no Brasil. 

Os vírus da varíola e do sarampo foram utilizados no Brasil como arma biológica para exterminar os índios de forma proposital. O mais "clássico" aconteceu em Caxias, no sul do Maranhão, por volta de 1816.  Para se livrar dos índios com o proposito de criar gado em suas terras. 

Os fazendeiros de Caxias "presentearam" um grupo de 50 índios com roupas de moradores da vila que haviam contraído varíola. De volta a suas aldeias, os índios espalharam o vírus. A epidemia se disseminou rapidamente pelo sertão e atingiu até tribos a 1.800 km de Caxias.
Foto: internet



Somos de fato uma humanidade?






De forma perplexa li uma notícia no da 18 de março de 2020 no jornal AC 24 horas noticiou que Turistas dos Estados Unidos e países da Europa que buscavam retiros espirituais em aldeias indígenas na região de Tarauacá/Envira e foram barrados pelos caciques Yawanawás, no Oeste do Estado do Acre. Eles não apresentaram testes negativos para o covid-19 e mesmo não apresentando sintomas da doença foram orientados a retornar para Cruzeiro do Sul e seus respectivos países.


Quem vai parar o branco? É sério gente, já deu.

Aqueles que realmente tem uma relação de afeto e respeito pela terra como caiçaras, índios, quilombolas e aborígenes são classificados como sub humano. De certo, humano então seriam as grandes corporações que contaminam água, o ar, que privatizam a assistência de saúde, que acumulam mais do que precisam, que deixam alimentos estragarem se o preço não estiver bom mesmo que haja fome nas proximidades. Humanos são os que com a crise estão demitindo seus funcionários mesmo tendo tido 300 milhões em lucro em 2019...

Somos de fato uma humanidade?

Como vamos sair dessa pandemia ainda é um mistério entretanto como estamos atravessando é indubitavelmente para se lamentar. 

As populações vulnerabilizadas pela desigualdade racial é a preferencial pra morrer. Com bem lembrado no texto de Krenak o idoso e o pobre são descartáveis para a manutenção da atividade econômica segundo o presidente da república. A banalização da vida e banalização do poder da palavra permite que líder de uma naçã0 fala isso publicamente sem causar incomodo o suficiente para retira-lo do cargo. 

Dentre inúmeras razoes é preciso que nada volte ao “normal”. 

Repetir ações do passado não deu certo. É necessário aprender com ele.

O amanhã não está a venda.
Ailton Krenak

16 abril 2020

COVID 19 e a população negra

Foto de @nicolasalsur
Dei uma pausa nas leituras para refletir sobre o corona vírus e a população negra.

Antes de mais nada é necessário dizer que vivemos em um mundo onde a desigualdade social tem cor, a pobreza tem cor, a vulnerabilidade tem cor. 

E em tempos de COVID 19 como fica?

Com o proposito de esclarecimento vou resumir o que seria COVID-19: Trata-se de doença causada pelo corona vírus SARS-CoV-2.  A transmissão acontece de uma pessoa doente para outra por contato, por meio de toque, saliva, espirro, tosse; objetos ou superfícies contaminadas. Diante disso quem se contamina pode ficar assintomático ou chegar a quadros respiratórios que atingem tamanha gravidade que possa precisar de internação em UTI (Unidade de terapia intensiva) e usar um aparelho de suporte ventilatório.

Desde que as mídias sociais se tornaram mais democráticas o acesso a informações ocorre de forma veloz. Representantes da comunidade negra manifestaram-se rapidamente ao tomarem conhecimento da doença visto que, é de fácil transmissão, ainda não possui vacina ou cura, leva a estado grave de saude, tem consequência maior aqueles que já são portadores de alguma patologia, necessita de atenção médica especializada.

Uma vez que o racismo faz parte da construção social e está presente em todos os espaços, nesse momento ele reedita e se manifesta.   A china adotou uma prática que não faz parte das orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS). Pessoas negras estavam sendo impedida de ser atendidas em restaurantes como medida de “prevenção” ao COVID19, a rede de hotelaria com a mesma linha de pensamento estava despejando os hóspedes de origem Africana e não aceitando check in de quem tinha reserva. Os que tem suas residências são proibidos de ir à rua para comprar água e comida, tratamento diferente dado aos cidadãos chineses.  Despejados, muitos estão nas ruas com seus  pertences pessoais dormindo em baixo da ponte e se sujeitando a contaminação.

Na Europa um dos diretores do hospital Cochin de Paris, e Camille Locht, diretor do INSERM afirmaram ao vivo np canal LCI, uma das maiores emissoras de televisão da França, que deveria se fazer um estudo na África sobre o novo coronavírus. As autoridades médicas francesas afirmaram que a pesquisa deveria ser feita na África porque lá "não há máscaras, nem tratamentos, nem aparelhos de reanimação cardiorrespiratória". A exploração racial explicita, sem pudor.
 
Nos Estados Unidos a situação racial não é muito diferente. Na cidade de Chicago a população negra corresponde a 30% da população da cidade, no entanto eles correspondem a 70 % dos casos infectados e também são em maioria em número de mortes. Portadores de condições crônicas como diabetes, doenças cárdicas e asma por conseguinte são vulneráveis. É importante salientar que as condições citadas não são em decorrências de causas genéticas ou herança familiar sim resultado de uma desigualdade social junto a acesso reduzido aos sistemas de saúde.

As questões raciais nos Estados Unidos são tão impactantes que no dia 11 de abril um homem negro que estava abastecendo uma van foi interpelado por um policial, algemado e interrogado até que a esposa da vitima lhe trouxesse seus documentos de identificação. O homem negro era o Doutor Dr. Armen Henderson, ele estava na porta da sua residência e estava abastecendo a van que é de sua propriedade. O médico faz um trabalho voluntário de testagem de COVID em moradores de rua da cidade de Miami e estava abastecendo com materiais. O médico ainda manifestou outra preocupação o policial tocou seu corpo, falou muito próximo de seu rosto sem uso de máscara de proteção desobedecendo as orientações de prevenção. 

E no Brasil?

Antes de mais nada é preciso lembrar que o Brasil é um país com desigualdade racial. Invadido por Europeus que assassinaram milhares de indígenas para a apropriação de suas terras e riquezas.  O êxodo forçado de milhares de homens e mulheres do continente Africano que foram transformados em mercadorias/moeda/objeto. Hoje uma nação herdeira de um comportamento colonial e escravocrata.

Segundo dados do IBGE nota-se que a população preta/parda se encontra em situação de desvantagem em comparação a população branca.
A informalidade no mercado de trabalho está associada, muitas vezes, ao trabalho precário e/ou à falta de acesso a algum tipo de proteção social, que limita o acesso a direitos básicos, como a remuneração pelo salario mínimo e a aposentadoria e esse grupo é composto majoritariamente pela população negra.

Os cargos gerenciais em 2018, 68,6% eram ocupados por brancos e 29,9% ocupados por pretos ou pardos, nos dando informação de onde esta a gestão institucional. 

A representação política em 2018 contou com o seguinte perfil de Deputados federais eleitos: Branca e outras 75,6 %  e Preta ou parda 24,4 %.
A principal função do deputado federal é legislar. Propondo, discutindo e aprovando leis. Aprovar ou não as medidas provisórias, propostas pelo presidente. E a população negra não tem uma ocupação expressiva nesse espaço de poder.

A educação que é um direito fundamental garantido pela constituição e que é uma estratégia que amplia o desenvolvimento social econômico e cultural teve em 2018 a seguinte taxa de analfabetismo para pessoas de 15 anos ou mais de:

Total
Urbano
Rural
Branco
3,9% 

3,1%
11,0% 

Preto ou pardo
9,1%
6,8%
20,7%

A população negra está em desvantagens em vários cenários. Correspondemos 54% da população brasileira. Temos diferentes seguimentos populacionais que igualmente apresentam diferentes níveis de vulnerabilidade. Quilombolas, a população carcerária, os ribeirinhos, a população em situação de rua (que segundo o IPEA registrou e 2010 uma média de 101 mil). Todos tem suas demandas que já foram estudadas, eles próprios são sujeitos de suas histórias e a partir deles que se deve construir estratégias para o enfrentamento do COVID 19. Banheiros com possibilidade de banho para moradores de rua, pias com água e sabão em locais estratégicos , obrigatoriedade das empresas fornecerem materiais de proteção para os trabalhadores das áreas essenciais como os de supermercado e farmácia sao alguns exemplos solicitados pela própria população. 

As primeiras medidas preventivas lançadas publicamente não contemplavam grande parte da população brasileira. O perfil dos suspeitos eram pessoas brancas de classes média que estavam retornando de viagens da Europa. Mesmo sendo uma doença de fácil transmissão as medidas de prevenção foram inicialmente elitizadas. Tivemos um caso emblemático do falecimento de uma empregada doméstica, uma mulher negra moradora da periferia que foi contaminada por sua patroa  que retornou de uma viagem a Europa, reside no Leblon. A patroa teve acesso a todos os recursos possíveis para o tratamento e cura e a empregada não.

Materiais como álcool em gel tem um custo significativo que por conseguinte impacta no orçamento da população de baixa renda.  As medidas de isolamento em lares com poucos cômodos e aglomeração dos residentes, acesso a água nos bolsões de pobreza. Até mesmo imagens nos veículos de comunicação, haviam poucos os corpos negros em propagandas de conscientização. Todo o manejo inicial da COVID por parte do estado foi questionado por representantes das partes afetadas. O coletivo negro Madalena Anastacia por exemplo fez uma campanha nas redes sociais alertando que pessoas pretas também lavam as mãos, pesquisadores pensando no perfil populacional do país demandou enfatizar a higiene com água e sabão e não apenas o álcool em gel visando a redução de custo e o acesso, foi discutido a renda emergencial, profissionais de saúde estão pressionando para que critérios como raça/cor não seja negligenciado no momento do preenchimento dos dados dos suspeitos e confirmados de covid pois dados fidedignos possibilita a construção de politicas públicas diretivas.

A romantização da pobreza não é correto, afirmações como a do então presidente de que pobre mergulha em esgoto e nada acontece é negligenciar e zombar dos danos a corpos negros.

As transformações sociais para a população negra são previsíveis no nosso atual contexto. Ela está em maior parte na informalidade e sujeita a perda imediata das fontes de renda. Instituições educacionais adotaram EAD para manutenção das atividades contudo aquele não tiver acesso a internet de boa velocidade, equipamento eletrônico de uso exclusivo nos horários das atividades não terão como acompanhar. As datas do ENEM estão mantidas e por certo a população negra ficara em desvantagens.

A atenção primária a saúde no Rio de janeiro atravessa forte crise com a gestão municipal que sistematicamente esta fechando e/ou sucateando as unidades de atenção básica com demissões dos integrantes da as equipes de saúde e falta de medicação e material.

Doenças crônicas como hipertensão, diabetes, tuberculose, doenças renais com interferências  acompanhamento regular. Assim o acesso a saúde apesar de universal e gratuito não acontece equidade com um déficit em áreas periféricas. 

A população negra neste momento tem uma ação ineficiente do estado, o assédio da milícia.
Com a proposital falta de olhar do estado Redes de apoio e solidariedade se formaram e se multiplicaram pelo país nas comunidades periférica. Vamos exigir do estado e vamos nos ajudar. Agora mais do que nunca é nós por nós. 

Vamos ter fé.




11 abril 2020

Um verso e Mei

Palavras fortes escritas por uma mulher negra slammer, atriz, escritora, arte-educadora e atuante em movimentos sociais. 

Primeiro uma pergunta: A mulher negra tem raiva? 

Historico e sistematicamente silenciadas, a mulher negra percorre um atribulado caminho pra romper a barreira do silêncio. 

Audre Lorde uma vez disse que o silêncio era expressão do próprio medo- medo do desprezo, do desafio, da aniquilação. E a meu ver o silêncio, não é sinônimo  de falta de força ou falta do que dizer. 
Audre Lorde

A mulher negra na diáspora, tem um papel transformador e civilizatório. É ela quem educa, ensina a andar, falar, quem cozinha (segundo as palavras da Doutora Helena Theodoro “é pegar o que está morto e dar vida”).

É de seu ventre que se renova a esperança. Apesar de ter quem não ache.

Em outubro de 2007, na época com 44 anos o atual presidiário e então governador, propôs a legalização do aborto como forma de conter a violência no Rio de Janeiro. Em sua tese ele alegou:  "Tem tudo a ver com violência. Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal", declarou na época. Essa é uma das muitas agressões a nossa existência.

Não tem como apagar da história. A mulher negra trabalhou lado a lado aos homens no trabalho forçado dos campos, sob tortura física e psicológica do colonizador. Ocupou posições na mineração, no trabalho doméstico. Como comerciante, a escrava de ganho (figura vista pelas ruas de todo o pais) com seus tabuleiros de quitutes tinha uma renda mínima e injusta mas que ajudou a fundar associações que servia para comprar a alforria dos seus iguais, realizar cerimonias fúnebres com dignidade e cuidar dos órfãos dos assassinados dos escravizados dentre outros amparos. Usou o sincretismo religioso como ferramenta de resistência, liderou terreiros de candomblé que é a ressignificação da vida familiar onde, todos são irmãos diante da mesma mãe e o alimento é para todos e a fé é combustível.

Quando falamos não somos ouvidas e quando somos ouvidas não somos valorizadas e a nossa tentativa de falar é taxada como raiva. Desqualificar a nossa fala ao dizer que somos raivosas e loucas é estratégia de opressão.

Mas silêncio foi rompido. A poesia é um machado. É preciso força a e sabedoria pra manejar pois sua lâmina afiada rompe barreiras. 

 A autora nos leva para um universo com várias narrativas. Ela fala de seu lugar. Em seus poemas existe amor, denuncia, acalanto, banzo. 

Se discute o branqueamento, um fenômeno que não tem manual, não está na lei, mas todo mundo sabe como opera. Sabemos exatamente o que significa chamar uma pessoa negra de “morena”.

E as nossas Marias de todos os dias? Uma vida cravada de luta e resistência. Quando não são arrastadas por um camburão, são arrastadas para uma rotina que inclui trabalhar e ensinar aos seus que amanhã há de ser melhor.

Não se iluda, resiliência dói. 

Na sabedoria dos nossos mais velhos nos fortalecemos. E o  trabalho infantil? Ele não forma caráter, destrói sonhos. 

Ei menina, SE TOCA. 

A quebrada é pra onde nos jogaram. Urbanização Dispersa é o nome dado nas universidades, porém mal sabem eles que disperso, só os suspiros apaixonados. No dia a dia é união, mesmo que distantes.

A dignidade, a identidade serão resgatadas.

Não estamos com raiva. Você é que vai ter que se acostumar a nos ouvir.

Meimei Bastos