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01 março 2020

Eu sei por que o pássaro canta na gaiola.

O livro é a autobiografia da infância e adolescência de Maya Angelou uma Afro americana nascida no Missouri. Escritora, atriz, roteirista, ativista. 

O livro teve a primeira edição publicada lançada em 1969. 

Aos três anos de idade em companhia de seu irmão de 4 anos fora enviada para morar com a avó paterna. Sozinhos no trem, com adultos estranhos e um bilhete. 
A separação da família preta foi um dos pilares usados pelos colonizadores como tecnologia de dominação. Essa arma tem efeito e é utilizado nos dias de hoje. O estado sabe bem o impacto de assassinato de um jovem negro, o enclausuramento de um adolescente negro em conflito com a lei. A família preta passa a não ser mais a mesma. Passam por anos de anos de angústia, dor e desesperança então o resultado desejado: a submissão. 

Maya mesmo criança tinha pensamentos complexos em relação a perspectiva de vida dos seus iguais. Sua avó dona de um mercadinho, o único de propriedade de uma mulher negra, atendia aos trabalhadores de colheita de algodão. Famílias inteiras que usavam o próprio corpo como máquina para enriquecer o sistema e permanecer na miséria. Mesmo trabalhando em exaustão mal conseguiam comprar alimentos. A igreja, a religião do dominador entram como suporte. Todo o discurso é de que todo o sofrimento tinha um propósito divino. A avó era extremamente rigorosa em professar a sua fé, seguia à risca os ensinamentos das palavras. 

A leitura era a principal companhia de Maya, sempre esteve presente na sua vida. Na escola era a melhor aluna. No dia da sua formatura após o discurso de uns brancos onde eles falavam sobre as novas instalações da escola branca e sobre o futuro dos alunos brancos, Maya foi engolida por um choque de realidade. Por mais que ela se esforçasse pra ser a melhor estudante ela estaria mais próxima de trabalhar na colheita de algodão do que ser uma cientista e a cor da sua pele é quem iria definir seu futuro. 

Ela cresceu em um ambiente de segregação onde homens brancos que matavam corpos negros eram chamados de “meninos” e crianças negras eram cobradas a um nível de responsabilidade de adultos. O seu convívio com brancos pobres também é pautado no livro. Mais pobres, sujos, mal-educados, sem frequentar escola... mas sabiam o poder da cor de sua pele alva e a usavam para praticar maldades, zombar dos negros na certeza de que não haveria reação. Coisas que se perpetuam nos dias de hoje. Um homem branco vestiu suástica para ir ao bar no interior de minas Gerais e a polícia acionada não tocou nesse corpo mesmo sabendo que é contra lei, qualquer pessoa branca em qualquer ambiente se sente à-vontade de chamar negros de macaco, a certeza da impunidade e da hierarquia na cor da pele. 

Ainda muito jovem foi trabalhar de empregada na casa de uma mulher branca, a mesma tentou mudar seu nome não porque Marguerite fosse muito grande, mas porque lhe daria humanidade, identidade ato que é muito recorrente nos das de hoje. Quase ninguém se importa em lembrar o nome de pessoas negras, em um dois dos contatos começam os “morena” “pretinha” “negão”. Uma vez travei uma batalha com uma dona de pousada que chamava a funcionária de limpeza de “chocolate” e queria impor a me chamar de Rose, eu disse, meu nome é Roseane, Rose é para os meus amigos íntimos e familiares. A mulher  disse que meu nome era muito difícil de lembrar e eu  disse que ela teria que se esforçar, essa luta era dela e não minha.
Maya tinha uma relação de cumplicidade e afeto com seu irmão. Eram parceiros de vida. O mundo dos dois se abalou ao descobrir que a mãe estava viva. O pai aparece e aos 8 anos é levada para viver com a mãe. Se deslumbra ao descobrir que ela é uma mulher negra de pele clara, muito próximo ao ideal de beleza que lhe era imposta. Maya tinha dificuldades de lidar com seus traços negroides, o racismo faz a gente odiar o que olhamos no espelho. Infelizmente sofre violência sexual do namorado da mãe que lhe causa um trauma que lhe deixa muda por meses. Volta ao convívio da avó.

Maya teve uma adolescência marcada pelo não pertencimento, sentimento que acompanha as meninas negras quando chegam na idade de procurar o seu lugar no mundo. No binarismo da vida, no auge da segregação racial seu corpo e sua existência englobariam tudo que era dito que era má e ruim. Se descobrir enquanto mulher negra em uma sociedade racista é um processo adoecedor. A busca pela nossa identidade é necessária para nossa sobrevivência.

A mulher Negra é agredida nos anos jovens por todas essas forças comuns da natureza ao mesmo tempo em que fica presa no fogo cruzado triplo do preconceito masculino, do ódio branco ilógico e da falta de poder Negro. (Maya,1969)

Viveu nas ruas, passou por conflitos pessoais, desvendou a sexualidade, foi militante apoiadora das lésbicas, não sozinha, a biblioteca, os livros, as palavras foram sua constante companhia. 
Foi mãe ainda muito jovem e o apoio incondicional de sua mãe fez toda diferença.
Muito inteligente aprendei a dirigir carro sozinha. Foi a primeira mulher negra contratada para os bondes de São Francisco. 

Sua mãe, seu irmão, sua avó, seu tio paterno, seu pai, sua primeira amiga, a mistura de tudo isso foi o que moldou Maya. Maya foi sobrevivente do sistema. Quantas outra sucumbem? Tem coisas na vida que ninguém deveria passar. 

Mesmo na gaiola o pássaro, que consegue encontrar um jeito, canta.




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