Após pedir licença o espetáculo se inicia. Muito há para se dizer, as palavras não se esgotam (literalmente).
A ancestralidade guia o espetáculo. A energia da Yabás nossas Orixás femininas flui e nos encanta, o bailar hipnotizante só é interrompido pelas denuncias necessárias.
Temos que falar!
A transformação do silêncio em linguagem e em ação foi a arma de Audre Lord, ela usou a visibilidade linguística para partilha da dor e da resistência. Também nos alertou que fomos socializadas a respeitar mais o medo do que nossas necessidades de linguagem e significação, dai eu reflito que nossas dores devem ser mais do que um nó sufocante na garganta, devem ser o ponto de partida para o diálogo e o autocuidado, seja na terapia seja no candomblé.
Escutem as suas mais velhas. Se alguém lhe oferecer alguma coisa boa, aceite, não espere a pessoa insistir, somos merecedoras.
A mulher negra traficada atravessou o atlântico forçosamente nos porões dos tumbeiros. Sempre mostrou a sua resistência. Mary Karasch falou que as mulheres eram separadas dos homens pois elas incentivavam os motins. Não havia amenização dos castigos físicos e psicológicos, inclusive fora criado instrumentos de tortura para grávidas com o intuito de não afetar a “peça” que estava em seu ventre. O suicídio e infanticídio também foram formas angustiantes que muitas mães livraram seus filhos das barbáries da escravidão. O rendimento conseguido enquanto escrava de ganho era usado para alforria dos seus iguais. O Brasil lidera o ranking de países que mais mata travestis e transexuais em todo o mundo. Mulheres pretas e pardas, além de um pré-natal com menor número de consultas e exames, vinculam-se menos à maternidade para o parto e recebem menos orientações, o que resulta em maior peregrinação para parir, recebem menos anestesia local para episiotomia, ausência de acompanhante quando comparadas a mulheres brancas. Mulheres negras são em maior número que chefiam seus lares com empregos informais. Somos “quase da família”, praticamente uma mãe, mas não estamos no testamento, no plano de saúde, não botamos os pés no sofá ou escolhemos o canal da televisão.
É tanto desrespeito a nossa existência que experimentamos a irresponsabilidade afetiva até dos nossos. Lares desfeitos, foi um plano colonial e temos que nos apropriar desse saber para nos unir em transformação e revolução.
RESPIRA! Não é nossa culpa. Não temos que ser forte o tempo todo e fraca nunca fomos. Vamos juntas repensar nossa (res) existência. Vamos ampliar o amor.
Toda essa dor não é a nossa essência. A ambição do branco europeu interrompeu a nossa história, mudou a nossa trajetória.
Família é nossa essência, Quilombo, Candomblé, Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Escola de Samba, Didas Bar, Pretas Cervejeiras, Sociedade dos desvalidos, Mães de Manguinhos, Coleção Feminismos plurais, Donas, Yoni das Pretas, Mulherismo, Movimento Internacional Madalenas - Teatro das Oprimidas, Ilê Aye ... NÓS MATRIGESTAMOS POTÊNCIA.
Nada sobre nós sem nós
O texto do espetáculo é de Maíra de Oliveira e Direção de Luiza Lorosa. Obrigada pretas.
*Aguardem o retorno das salas de teatro para salas das novas datas.
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