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06 março 2020

O que é lugar de fala?


 “O lixo vai falar, e numa boa”. Com as palavras de Lélia Gonzales o livro se encerra. A frase é forte e impactante, mas uma coisa é certa.  Vai ter fala!

O livro começa com a história de Sojouner Truth, mulher negra, afro-americana, escritora e ativista, que teve a escravidão como um atravessamento da sua existência. Sorjouner em 1851 fez um discurso emblemático que dizem ter sido de improviso, mas considero improviso apenas o momento (oportuno) de proferir suas sábias palavras. Em um local de poder (Convenção dos direitos da Mulher nos EUA) e na frente de seus algozes homens brancos e mulheres brancas, essa voz que deveria estar silenciada (devido a estrutura social e racial) se pronuncia e denuncia: E eu não sou uma mulher?

Ela aponta e fala “aquele homem ali diz que é preciso ajudar as mulheres ...”. Que mulheres são essas?
Eu fico imaginando o climãoooo. Uma mulher preta apontar para um homem branco e dizer: e eu? 
O fato é que a crítica a universalização da mulher tem sido feita por mulheres negras por longas datas.
Autoras como Lélia Gonzales, bell hooks, Audre Lorde, Giovana Xavier, Grada Kilomba, Conceição Evaristo, Luiza Bairros, Gayatri Spivak e muitas outras vozes femininas negras compõe a constelação citadas nessa obra. 

A ausência do recorte racial no feminismo privilegia a um grupo e silencia outro. De acordo com essa concepção enquanto mulheres brancas reivindicavam trabalhar, meninas negras eram inseridas no trabalho doméstico muito novas, sendo então podadas de outras oportunidades.
 Assim, voltando a autora Lélia Gonzales, que com o poder da linguagem provocava e desestabilizava a epistemologia dominante denunciando a ausência do debate racial. Ela ainda ressaltava que quando o debate era feito por homens brancos, havia visões distorcidas e equivocadas da realidade como as de “seu Caio” (Caio Prada Junior). 

Dessa forma de entendimento podemos depreender que o exercício de falar do seu local social deve existir. 
Lugar de fala não é fazer alguém se calar para o outro falar. Todos podem e devem falar e a autora não deixa dúvida quanto a importância de que todos devem ser ouvidos. Mulheres negras, latinas e indígenas vêm sendo historicamente silenciadas e estruturalmente não ouvidas.
Tendo em vista que, a mulher é pensada a partir do homem e esses as colocam hierarquicamente em local de submissão e dominação podemos pensar que enquanto coletividade o homem só é homem porque tem o Outro (a mulher), assim como o asfalto tem a favela, a Europa tem as colônias ... O sujeito só se põe em se opondo (Simone de Beauvoir).  

E a mulher negra?
Para Grada Kilomba devido a difícil reciprocidade e por não serem nem brancas e nem homens, mulheres negras exercem a função de o Outro do Outro. 
A precariedade no trabalho segundo a pesquisa do IPEA de 2016 dão os seguintes resultados: homens brancos 20,6%, mulher branca 26.9%, homem negro 31,6% e mulher negra 39,6%. 
Pesquisas como essa deveriam ser alvo de políticas públicas com foco na correção das desigualdades. Responsabilidade essa do estado e da sociedade.  Não pode ser considerado “normal” não ter negro médico ou engenheiro e ter negro exclusivamente em posições  lidas como de subalternidade. 
As diferenças devem ser denunciadas. Invisibilidade mata!

A origem do termo lugar de fala é imprecisa, mas ele enuncia que é preciso falar de pontos silenciados pela hegemonia. Diferentes locais sociais resultam em diferentes experiências. Pessoas do mesmo local social podem ter experiências diferentes, lugar de fala não é essencialidade. 
O fato de uma pessoa ser negra não significa que ela seja especialista nos debates raciais. E se uma pessoa negra disser que nunca sofreu racismo não significa que racismo não existe. O lugar social não determina uma consciência discursiva sobre esse lugar. 
O projeto colonial, hegemônico visa impor silêncio pois há um medo do sujeito colonial falar e o colonizador tem medo de escutar devido a disputa de poder. Como disse a historiadora Celia Maria Marinho de Azevedo: Onda negra, medo branco.
 Pessoas brancas tem dificuldade de ouvir pois a tiraria de seu lugar cômodo e confortável.
O falar não se restringe ao ato de emitir palavras, mas de poder existir.

Todas as pessoas possuem lugar de fala. Fale a partir do seu lugar.

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