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10 maio 2020

Rediscutindo a mestiçagem no Brasil – Identidade nacional versus identidade negra

Homens da pior qualidade invadiram esse território com sede extrativista. Assassinaram e escravizaram indígenas, paralelamente invadiram o continente Africano para uma caça brutal e sangrenta. Implementaram outras táticas, assediando e corrompendo os líderes de lá em troca de arma de fogo e outros objetos de valor.  Dessa forma construíram o tráfico negreiro, atravessando homens, mulheres e criança transformados em objetos/moeda. 

Usurparam conhecimentos técnicos na agricultura, na agropecuária, na medicina, no tratamento dos metais, na tecelagem, nas negociações, a força física, na capacidade reprodutiva. Com efeito, os que não morreram foram jogados as ruas. “Alforriados”.

Mulheres negras não só foram submetidas ao trabalho forçado, como também foram sequencialmente estupradas para satisfazer a ânsia sexual dos colonos. Eram em menor número e vulneráveis em decorrência do sistema escravocrata. Viraram nova fonte de renda uma vez feitas de prostitutas pelos Portugueses.

Na literatura eram retratadas como trabalhadeira e cozinheira, mas por outro lado como “sedutora”, “lasciva”, “sedenta pro sexo”. Falácias! A sexualidade da mulher negra brasileira foi forjada na violação de seu corpo.

Historicamente, no intuito de desencorajar a copulação, houve estatuto onde a mulher negra e os filhos poderiam ser confiscadas, decreto lei que prometia chicotada a que procurasse prazeres carnais com as negras, nobres que se casassem com mulatas perderiam o título,  mulheres negras proibidos de dar nome de branco a seus filhos, mulatos provindo de mãe escrava eram automaticamente eram escravos. Mas a relação de poder do branco colono sobre o corpo da mulher negra não foi abalada.

Vender corpo negro foi proibido e fazer trabalhar a força debaixo de tortura física também. Precisavam então formar uma classe trabalhadora, mas sem incluir o “resto humano” que aqui estava. 
Índios e negros não eram bem-vindos a sociedade brasileira e o estado não se responsabilizou por eles. A imigração europeia toma um grande impulso e tinha dois propostos: impulsionar a economia e fazer desaparecer a "mancha negra"

Apartar como nos EUA e África do Sul era perigoso e criticado.  Consideravam que se deixassem os negros enquanto grupo, eles poderiam se multiplicar em números com risco de tomada do poder. A revolução do Haiti era um pesadelo real.
Foto da Internet 
O preconceito aqui é o de “marca” ou de “cor” e não o biológico como bem disse o Oracy Nogueira. Quanto menos traços negroides indisfarçáveis, melhor. 

Consequentemente a separação e rivalidade entre o grupo de mestiço lamentavelmente surgiu pois há uma aquarela de cores entre o preto e o branco.

A balela da raça única, a etnia brasileira, nada mais era do que uma estratégia genocida tão bem estudada por Abdias do nascimento. 

Gilbert Freyre em 1930, ignorou o estupro na relação colonial e insistia em dizer que as relações sexuais interraciais foram de forma harmoniosa. Em seus escritos alegava que com escassez de mulheres brancas se fez necessidade a aproximação sexual dos colonos com a escravizadas negras e indígenas, e que tudo ocorreu de forma harmoniosa devido a flexibilidade natural do português. 

Foi ele também que incentivou a unificação das culturas, mas essa união era pautada em apagar as suas identidades étnicas. 

O “melhorar”, “civilizar” significava tornar mais branco. O sincretismo cultural teve sim o seu valor para a manutenção de nossas tradições, ou era isso ou era nada. Mas hoje já temos ferramentas para a identificação  e valorização de tudo aquilo que foi deturpado, embranquecido. 

O candomblé é negro, o acarajé é comida de Oyá, a capoeira é negra, o samba é negro, a constelação familiar é sabedoria ancestral negra e por ai vai.

O rodar de cabelões na Umbanda, os curadores de museus que reduzem as culturas não europeias a primitivas, o a tentativa de não permitir o sacrifício de animais no ritual de matriz africana, a bossa nova, o alisar do cabelo, a contratação apenas de pessoas brancas, a naturalização da ausência de negros nas universidades... sao questões a serem repensadas.

Lembro de outras leituras que Pierre Verger louvava a assimilação, o apagamento protagonismo negro de sua própria cultura que era “incrementada” com a cultura branca. Monteiro Lobato se preocupava com progresso do país, achava ele, então simpatizante da Ku Klux Klan, que o atraso se devia a presença dos indesejáveis. 

Kabenguele traz em seu livro expoentes negros na política e principalmente na literatura, todos mestiços, que mantinham o discurso do orgulho de terem “alma branca”.

A arianização dos considerados “superiores” se dava através do casamento e posse de terra. Acessavam a classe da nobreza. Os “inferiores” tinham de ser eliminados. A passividade era desejada e enfraquecia o sentimento de solidariedade com os negros indisfarçáveis. Ditos como “o dinheiro branqueia”, “o preto rico é branco” ou “banco pobre é preto” faz pensar que a condição econômica poderia fazer mudar de raça.

A comunidade negra se unia contra o preconceito que no Brasil era muito incisivo, mas ao mesmo tempo mantinham a ideologia do branqueamento. Anunciavam na impressa negra produtos de alisamento de cabelo, regras de como se comportar como um civilizado.

Os mestiços eram tratados pelos teóricos como desequilibrados, fracos fisicamente e sem o intelecto dos ancestrais superiores (o branco) e mesmo assim acima dos negros na intelectualidade.

Darcy Ribeiro foi um lutador pela educação para correção das desigualdades, mas achava que o racismo brasileiro era melhor do que o Apartheid da Africado Sul de do Jim Crown dos Estados Unidos. Darcy foi refutado por Oracy Nogueira que afirmava que todas as formas de racismo são abomináveis.

Havia um problema na construção da nação, um problema negro. Racismo era assunto e problema de preto.  O movimento negro foi perseguido pela política ditatorial. A Frente Negra que se tornou partido político foi diluído pelo governo. Líderes negros foram presos, debate racial foi proibido. 
A partir da década de 70 a pauta ressurge, um dos maiores expoentes foi o Teatro Experimental negro. Grupo esse responsável pelo resgate da identidade negra. Publicações e debate sobre questões raciais retomaram no brasil mestiçado.

Em 1980 historiador Clovis Moura resgatou do censo a descrição de 136 cores diferentes de auto identificação  Foram 136 formas do brasileiro fugir de sua realidade étnica para estar mais próximo do modelo tido como superior, o branco.

A falta de identificação do negro enquanto grupo, dificultava o diálogo e a organização para exigir reparação histórica. 

Os mestiços no tempo colonial eram os utilizados para atividades econômicas e militar. Ganhavam cargos como o de capitão do mato ou de caçador de fugitivos. Os que se comportassem como branco eram lidos como melhores. Estavam em maior número no grupo de alforriados. Mas não podemos esquecer muitos tiveram a história como a de Luiz Gama que foi vendido pelo próprio pai branco.

Foto da Internet 
Kabenguele Munanga 

Com o mito do bom selvagem de Rousseau, os indígenas tiveram uma revalorização e as civilizações incas e maias uma certa aceitação. Na Grécia antiga a mestiçagem étnica não era problema pois o importante era pertencer a uma cultura. Os critérios Romanos não eram raciais, mas de status.

Os filósofos da era do Iluminista se esforçaram para manter a supremacia branca. Voltaire considerava o mestiço uma anomalia. Maupertuis supunha que o primeiro negro nasceu de um casal de brancos com sêmen contaminado. Para Kant, filho de outra raça, infalivelmente era um bastardo. Edward Long defendia que mulatos não seriam capazes de reproduzir assim como as mulas. Quando aparecia casais mulatos com filhos ele dizia que o verdadeiro pai podia ser um branco ou um negro (chamou geral de corno). 

O mito da democracia racial encobria os conflitos raciais. A leitura desse livro é essencial para quem que saber de onde vem o branqueamento genocida da população brasileira. 

Kabenguele Munanga 





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