Escrito em 1970, O olho mais azul foi o primeiro livro de Toni Morrison.
Abordando temas como raça, racismo, sexismo, menina preta, abuso infantil, colorismo, abandono materno e paterno, auto ódio, a vida sócio econômica da comunidade negra estadunidense entre outros.
Toni tem uma escrita diferenciada, alguns chamam de difícil. A forma como descreve os personagens e a trama não permite que sejamos meros espectadores e sim parte do livro. Sendo um negro em diáspora ou um não negro com empatia.
O romance é narrado por Claudia uma menina negra que vive com seus pais e sua irmã. Após um acontecimento drástico, a família acolhe Pecola. E através dessa personagem a autora anuncia diversas barbaridades que uma menina negra pode ser submetida.
Esse livro foi colocado no limbo literário. Criticado e rejeitado, levou 25 anos para ter uma publicação respeitosa. O mercado editorial, o jornalismo e a academia não se interessavam nesse tipo de debate. Mas alguém tinha que descrever mesmo que por ficção essa realidade.
A História se passa em uma família negra com condições financeiras bem limitada. Composta por Claudia, sua irmã Frieda, sua mãe e seu pai. Moravam em uma casa velha, fria e verde. A autora destaca a importância de família negras terem uma casa nos Estados Unidos. Como sabemos, é uma terra que foi colonizada, os indígenas genocidados e os negros africanos traficados e escravizados. Com esse background, para uma família negra, ter uma casa era o ápice da humanização. Um dos personagens incendeia a própria casa, deixa todos atônitos. O grande terror para um negro era viver na rua e qualquer deslize isso poderia acontecer, comer demais, usar carvão demais, jogo, bebida... Se uma mãe botasse um filho pra fora de casa, a solidariedade ia para o que estaria na rua, independente do que tenha feito. Ser posto pra fora de casa (onde possa se abrigar em outro lar) é diferente de ser posto pra rua. Estar na rua era o fim. Sabendo o significado disso, a comunidade negra tinha uma fome por propriedade e dedicavam toda energia, todo amor a seus ninhos.
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Os afrodiaspóricos brasileiros sabem bem o que é não ter um lar. Ações do Estado foram fundamentais para que a comunidade negra brasileira no pós abolição não tivesse mobilidade social e econômica. Mesmo liberto, era submetido a condições similares de quando eram escravizados. O tráfico de escravo foi proibido internacionalmente em 1831. O Brasil aprova em 04 de setembro de 1850 a Lei Eusébio de Queirós que proíbe o tráfico no país. Dias depois, em 11 de setembro de 1850 aprova a lei de terras onde segundo Art. 1º Ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra. Com isso caso houvesse abolição da escravidão o negro só poderia comprar terras se o Estado permitisse. Os ataques bélicos aos Quilombos, destruição dos cortiços, desmonte de favelas sempre esteve na historicidade dos negros brasileiros. O atual governo federal encerrou em definitivo o programa Minha Casa Minha Vida, que por mais que o programa necessitasse de ajustes, era uma das formas que muitas famílias negras brasileiras conseguiam comprar seus lares.
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Depois de uma tragédia, Pecola foi morar com a família de Claudia. Como na casa havia um quarto extra, este foi alugado para um inquilino muito solicito, simpático e brincalhão com as meninas, mas na primeira oportunidade tocou no corpo de uma delas, assim o pai expulsa o violador em defesa da filha
As três meninas convivem como se fossem irmãs. Frieda e Pecola amavam a atriz Shirley Temples, mas Claudia detestava e falava que gostava mais da Jane Withers. Na verdade, o ódio de Claudia era de saber que nunca seria tratada como uma menina branca, por ser uma menina negra, não seria lida socialmente como encantadora. E se queixava que Bill "Bojangles" Robinson deveria dançar com ela e não com Shirley.
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No Natal o presente mais desejado eram as bonecas Baby Doll com seus olhos azuis e cabelos amarelo. Claudia não gostava e chegou a destruir algumas. Desejava a devoção que a boneca recebia, ser chamada de "linda" e outras meiguices. Durante a história as meninas foram na casa onde a mãe de Pecola trabalhava como doméstica, lá Pecola derruba sem querer uma torta e sua mãe a joga no chão, uma criança branca, moradora da casa, aparece na cozinha, a mãe de Pecola a trata com toda ternura possível e promete fazer outra torta.
O abandono afetivo é uma realidade na comunidade negra fruto do processo racial que são submetidos. As meninas quando conversavam sobre o amor, destacavam que desejariam ser amadas antes do marido a abandoná-las quando elas tivessem adulta.
Na história de Pauline, mãe da Pecola, seus irmãos tiveram a infância interrompida aos 10 anos de idade para trabalhar e já seriam endurecidos pela vida com tão pouca idade. Pauline tinha uma deficiência nos pés e mesmo adolescente já era responsável pela casa e pelos dois irmãos menores enquanto toda família trabalhava. Cholly, o pai de Pecola foi jogado no lixo por sua mãe que havia sido abandonada pelo companheiro assim que anunciou a gravidez. Uma tia que nunca se casou, resgatou Cholly e o criou. Veio a falecer quando ele ainda era adolescente. Cholly se encontrou com uma menina chamada Darlene em um local escuro e quando estavam sem roupa homens brancos o flagraram e humilharam. Exigiram que “terminassem” o que estavam fazendo e por esse episódio, o ódio foi direcionado a menina e não aos racistas. Imaginando que ela poderia ter engravidado, ele fugiu para outra cidade em busca do pai, chegando lá se da conta que nem lembrava o nome da mãe. Andando desnorteado, encontra duas mulheres negras que o acode e resgatam, ele se reconecta com sua masculinidade, se torna um trabalhador e casa com Pauline que passa a ser chamada de Sra. Breedlove. Com a recessão e pouco emprego passa a beber muito. Sra. Breedlove, trabalha como doméstica e a independência financeira da mulher passa a ser um problema e ocorre muitas brigas. A patroa branca, demite Breedlove e não lhe paga o que a deve e coloca como condição para ser readmitida no trabalho “abandonar o marido”, nesse momento Breedlove reflete que a mulher branca a manda escolher entre ser sua serviçal ou ter uma família.
A experiência de Sra. Breedlove na maternidade foi traumatizante, contudo, reflete a realidade das mulheres negras. Havia um grupo de estudante com o preceptor e ao chegarem próximo a Pauline, dispara que “esse tipo de mulher” tem filho sem dor como as éguas, mas ela sentia tanta dor quanto as brancas e não era um animal.
Pecola era considerada uma menina muito feia. Na escola era ignorada e desprezada por alunos e professores. Os meninos para implicar um com os outros, era suficiente dizer que Pecola gostava de alguns deles. (me conte quem já passou por essa experiência). O auto ódio era alimentado diariamente e foi assim que ela desejou ter olhos azuis. Na verdade, ela desejava amor e paz. Dos adultos recebia olhares de interesse, nojo e raiva. A aversão a sua negritude era explícita e ela era tomada por uma inexplicável onda de vergonha por ser ela mesma.
No inverno a escola recebeu uma nova aluna Maureen Peal, descrita como uma mulata claríssima de cabelos compridos. Foi comparada as meninas brancas pois, era envolta de conforto e cuidados. Os professores sorriam e a encorajavam, os meninos negros não a agrediam nos corredores como faziam regularmente com as meninas negras, as meninas brancas não faziam muxoxo quando estavam no mesmo grupo de trabalho, as meninas negras moviam-se para o lado quando ela queria usar a pia do banheiro.
Sendo negra não tinha privilégios, mas a pela clara lhe concedia vantagens e passibilidade que Pecola, Claudia e Frieda nunca experimentariam. Na saída da escola Pecola era chamada de “Preta retinta, preta retinta...” como xingamento e a cercavam para lhe bater. Após uma rápida tentativa de amizade com Maureen, no primeiro desentendimento, essa dispara: “eu sou bonita e vocês são feias, são pretas feias” era a hierarquia da cor de pele.
Um capítulo do livro é dedicado a explicar um pouco como mulheres negras de pele clara são lidas dentro da comunidade negra afro americana. Cantoras de coral, mas não são solistas, vivem em bairros negros mais tranquilos, cursam escola normal, trabalhadoras, não namoram, mas sempre se casam. São observadas pelos homens que vislumbram um lar cristão com lençóis limpos, flores de papel decorando a casa e a roupa do trabalho engomada, são as escolhidas.
Nas relações infantis a preferência era brincar com meninos brancos ou os mulatos que eram considerados limpos e silenciosos. Os pretos eram rejeitados para as brincadeiras e taxados de sujos e barulhentos. A linha entre o mulato e o preto oscilava, era preciso estar sempre atento.
As mulheres brancas diziam “Faça isso”. As crianças brancas diziam “Me de aquilo”. Os homens brancos diziam “Venham cá” Os homens negros diziam “Deita”. Meninas e mulheres negras eram colocadas nesses lugares.
As irmãs descobriram que Pecola havia sido estuprada pelo pai e que havia engravidado. Pescando comentários pelo ar, ouviam que ela deveria ser tirada da escola, que ela era um pouco culpada (tinha só doze anos), que talvez o bebê não sobrevivesse porque a mãe a havia espancado. Nesses diálogos Claudia e Frieda tentavam encontrar alguma manifestação de solidariedade e afetos que eram destinadas as bonecas Baby Dolls, a Shirley Temples ou Maureen.
Pecola perdeu o bebê e a sanidade mental. As duas meninas se culpavam por não terem conseguido ajudar a amiga.
É uma leitura pesada, de doer o coração, mas alguém tinha que falar sobre isso e Tony Morrison como mulher negra não se calou.
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