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09 julho 2020

O livro da Saúde das Mulheres Negras – Nossos passos vêm de longe

Roseane Corrêa
Estamos no mês de julho, mês das mulheres negras, ler esse livro me fortaleceu, não estou só. Cada texto traz contribuições para repensarmos a saúde das mulheres negras. São elas acadêmicas, líderes religiosas, líderes comunitárias, mães, filhas, moradoras de rua, escritoras, parteiras, um universo amplo de mulheres que tem muito a nos ensinar. 


Os textos são do meado dos anos noventa início do SUS e sem política de cotas o que tornou a leitura mais interessante. Percebe-se que a estrutura racista não é a mesma. O racismo se atualiza conforme o tempo e o contexto social, como por exemplo, não havia política de cotas, hoje ela está em vigor, então para impedir que a população negra usufrua do seu direito a reparação histórica, o racista se tornou o principal fraudador desse direito conquistado.


O texto de Mãe Beata é bem pessoal, fala de si, de como nasceu nas águas e se tornou Beata de Yemonjá. A trajetória de um batismo compulsório até sua iniciação no terreiro de Alaketu, é sobre a família o amor e as dificuldades vividas. Uma das nossas maiores líderes religiosa, pilar em nosso processo civilizatório enquanto comunidade de terreiro. Mulher forte, decidida e muito crítica. Hoje é nossa ancestral, temos a obrigação moral de honra-la e praticar os ensinamentos por ela deixado.

Mae Beata de Yemonjá - Foto da internet

O objeto analisador do livro é a saúde, mas em toda a escrita percebe-se o amor como eixo de ligação. Amor esse, que é estruturalmente negado a mulher negra em quase todos os âmbitos de sua existência, mas que em resistência o (re) construímos ao nosso modo, dentro de nossas possibilidades, com base nossas raízes ancestrais.

A ineficiência do estado e das políticas públicas devido o racismo estrutural coloca as mulheres negras (até hoje) na base da pirâmide social. O termo interseccionalidade não foi usado na época, mas o texto que conta a história de Lélia Gonzales destaca que ela já citava diferentes opressões que podem atravessar a existência da mulher negra, Lélia enfatizava a importância do debater além do racismo o sexismo, machismo e homofobia e pagou um preço caro por isso, muito caro, mas Lélia não se calou.

Lélia Gonzales - Foto da Internet


Para muitas mulheres negras o algoz pode estar em seu ambiente familiar ou nas amizades próximas. Se dedicam integralmente a família e sofrem violência física e psicológica dentro de casa. Aconselhou-se compartilhar a sua dor, denunciar, não é "normal", não "faz parte da vida" ser submetida a violência doméstica.  O mapa de violência da ONU de 2015 apontou um aumento de 54% de homicídios de mulheres negras, no mesmo período, os homicídios de mulheres brancas caíram 9,8%. Se souber de mulheres negras que estão sob violência, denuncia e apoie a vítima.

No terreiro de candomblé e umbanda que muitas renasceram e tantas se fortalecem. Chegamos ao Brasil com a liberdade confinada, maltratadas, acotoveladas nos porões dos navios negreiros, mas as raízes africanas estavam em nossos corpos e não foram removidas, nos multiplicamos, crescemos e demos frutos. O corpo da mulher negra é da transa e do transe.

Alice Walker - Foto da internet 

bell hooks salienta: o amor cura. A autora volta na história pra entender por que muitos apresentam dificuldade de amar e nos lembra que os nossos ancestrais foram tolhidos de toda e qualquer forma de vínculo afetivo a seus iguais, filhos vendidos, amantes, amigos, companheiros apanhando sem razão. Todo um histórico de violência física como punição e correção que acabamos por reproduzir em nossos lares e com nossas crianças. Meninos negros são ensinados a não chorar e a não demostrar sensibilidade. No tempo da escravidão que mostrasse sensibilidade nos momentos de castigo, era torturado ainda mais. Não demostrar emoções tornou-se um hábito de sobrevivência a brutalidade racial. No pós escravidão, a extrema pobreza obrigava a separação familiar e a separação de comunidades. Aqui no Brasil foi (é) muito comum que meninas pequenas serem entregues a outras famílias para ter o que comer, algumas outras autoras que estão do livro relatam que passaram por essa situação. Além do trabalho análogo a escravidão desde a terna infância, a violência sexual a menina negra foi (é) uma das maiores barbáries a infância preta. Por favor entendam a “novinha” não está pronta, é só uma criança.

Vilma Reis - Foto da Internet


O feminismo é um movimento de mulheres muito importante, mas negligência as pautas das mulheres negras. A universalização das mulheres silencia e oprime. Então o feminismo negro e outras coletividades de mulheres negras ganham destaque.

O corpo da mulher negra é território que por muitas vezes é explorado de forma inadequada. A mulher negra gorda está submetida a uma hierarquização entre as mulheres, uma cultura que leva a exclusão social. A esterilização compulsória, química ou cirúrgica, como controle populacional para a mulher negra pobre. Viver com câncer para muitas é sofrer com a falta de empatia do profissional que lhe assiste. O aborto quando feito na clandestinidade leva ao adoecimento, é um problema de saúde publica, o investimento em educação e saúde reprodutiva não chega de forma eficiente nas comunidades mais pobres, e não podemos esquecer a mulher negra tem o direito de decidir. O mioma uterino e a histerectomia total que é mais realizada em mulheres negras, muitas não fizeram o tratamento adequadamente por falta de orientação. O crescente encarceramento feminino leva a outras violências punitivista. A dor do luto tem que ser vivida e não suprimida como muitos esperam, mulher negra não tem que ser a guerreira o tempo todo. Mulheres negras profissionais da área de saúde são vítima constante de ataques racista associado a falta de credibilidade em sua capacidade técnica, uma Enfermeira denuncia que a profissão, majoritariamente negra e feminina, é desvalorizada e discriminada pela maioria dos médicos e sofrem rejeição dos pacientes.

Lucia Xavier - Foto da internet 

As histórias de superação são inspiradoras. Dona Hildézia que foi para o Rio de Janeiro em busca de melhores condições de vida e foi uma das co-autoras do Manual Cidadania Etnia e Raça em 1998, Luiza tem o melhor período de sua vida enquanto funcionária da prefeitura e integrante de um grupo de Mulheres Negras que trabalha na educação em saúde, questões raciais e direitos reprodutivos. Leci Brandrão e sua música revolucionária que a mídia chamava de radical por falar sobre as desigualdade e apontar a situação de mulheres negras como a dona Deolinda, que foi inspiração para uma de suas musicas, líder do Movimento sem Terra que fora algemada e em um camburão encaminhada a uma casa de detenção por lutar por justiça social.

Leci Brandão - Foto da Internet 

Josina da Cunha, uma das organizadoras do grupo CRIOLA, nos anos noventa usou a estética negra como forma de emponderamento, ela foi estudante de letras nos anos 60 na UFRJ, foi uma das poucas professoras negras da rede municipal a falar de questões raciais, mesmo sem apoio da diretoria, questionava os materiais didáticos que não incluíam a historia do povo negro. Nós que hoje temos a lei 10.639 temos muito que agradecer a essas mulheres que vieram antes de nós.

Nossos passos vêm de longe.



Jurema Werneck - Foto da internet






2 comentários:

  1. Nossa quanto afeto em meio a tanta dor! Parabéns pela resenha🙏🏾 um presente

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  2. Que resenha incrível. Estou louca para ler o livro. Obrigada por esse presente, companheira!

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