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16 julho 2020

O Tradição dos Orixás - Valores Civilizatórios Afrocentrados

Jayro Pereira

Esse livro conta a história do projeto Tradição dos Orixás, uma iniciativa coletiva lançada no final da década de 80. Descreve a trajetória do principal articulador o Professor Jayro Pereira que junto a professora Gésia de Oliveira levaram a diante o debate. Além dos relatos há um acervo de fotos, anúncios e reportagens da época e do reencontro do grupo em 2016.

 

Jayro é baiano, tinha familiares evangélicos e candomblecistas. Na infância se encantou com a organização ritual da igreja católica. Foi seminarista e no mosteiro teve a sua primeira reflexão sobre o racismo ao ler um artigo que falava do racismo na igreja. Posteriormente um outro episódio o marcou, dentre quinze seminaristas somete ele e outro jovem negro não foram escolhidos para ser enviado a Europa para fazer mestrado e doutorado. Abandonou o seminário, mas não rompeu relações com a igreja católica. 

 

A maior motivação para a formação desse coletivo foram os ataques violentos dos setores evangélicos que lançaram uma “guerra santa” onde o inimigo a ser destruído eram os adeptos da religião de matriz africana. O debate não poderia mais ficar apenas no campo religioso, precisava de um alcance político. Mãe Palmira Navarro líder do Ilé Omo Oya Leji protagonizou um episódio marcante quando processou a igreja Universal do Reino de Deus que distribuía periódicos com calunias e difamação e com o uso de imagens de crianças do candomblé intituladas “Filhos do demônio”. A grande mídia só documentava por uma disputa de audiência e não pela causa, era Rede Globo versus Record. Jornalistas como Carlos Nobre, Tim Lopes, Chico Alves e outros, esses sim faziam um trabalho jornalístico informativo.

 


Os terreiros eram alvos de depredação e invasão. Quem usasse adereços significantes aos seus orixás, vodus e inquices como turbante, fio de contas e roupa branca eram apedrejados, espancados e surrados com a bíblia para “expulsar demônio. A igreja Universal lançava livros ensinando como vencer o “maligno” que era a religião de matriz africana. A igreja católica até teve um posicionamento, fez um manual para ser distribuído pelo departamento de Ecumenismo, mas ficou em alerta após o episódio conhecido como “o chute da santa”.


Foto da Internet 

 

Abdias do Nascimento já publicava sobre o assunto, enquanto deputado federal todas as sessões do congresso eram abertas com a frase “Sob a proteção de Deus” e Abdias iniciava seus pronunciamentos com “Sob a proteção de Olorum” e sempre que podia incluía referências as divindades africanas. Os negros foram os que mais sofreram na ditadura militar, foram vítimas de arbitrariedades e desgraça econômica. Na campanha pelas “Diretas Já” o amarelo foi a cor escolhida pelo movimento pluripartidário e Abdias para realçar o protagonismo da comunidade negra e da matriz africana invocava que vestissem o amarelo de Oxum.

 

Abdias do Nascimento - Foto da Internet


São relatados vários projetos e luta pela valorização o negro, pela sua existência e humanidade como por exemplo a Eco-Afro Rio 92 que demonstrava a visão ecológica da cultura Negra para a sociedade ignorante e preconceituosa que tentava impedir oferendas em áreas ambientais.

 

Pelo livro me sinto a vontade de dizer que professor Jayro é um homem destemido.  Na cara dura foi ao Jornal O Dia para falar do projeto Tradição dos Orixás e o jornalista  que acompanhou o grupo  extraiu 7 sete pontos de sua vivência: 1) Se defender dos ataques físicos e simbólicos dos evangélicos 2)Emponderar os participantes e mostrar o valor civilizatório da religião 3)Valorizar o papel dos sacerdotes enquanto construtores de conhecimento 4) Se proteger das “gangs pentecostais” que agiam coordenados  e armados,  invadiam, intimidavam e quebravam objetos ritualísticos do terreiro 5) A figura do professor Jayro como provocador do movimento negro  que muitas vezes incorporavam o pensamento do colonizador 6) Debater sobre os religiosos que eram também responsáveis pelo preconceito dirigido a sua religião. 7) A tradição africana é uma luta antirracista.

 

Professor Jairo Pereira


A resistência aos ataques até então não era uma pauta com visibilidade dentro do movimento negro, não se debatia que a intolerância religiosa é racismo religioso. Há um depoimento de um integrante do grupo Tradição onde ele analisa a Marcha contra a intolerância religiosa e relata que mesmo com várias religiões na marcha, o Candomblé é que toma pedrada na cabeça, tem seus espaços sagrados invadidos.


  Nas suas articulações frequentou o IPCN (Instituto de Pesquisa das Culturas Negras) na tentativa de chamar a atenção para incorporar esses conflitos nas manifestações do centenário da Abolição. Não ficou satisfeito com o retorno, fundou o IPELCY (Instituto de Pesquisas e Estudos sobre Língua e Cultura Yorùbá) e com a chancela de Instituto, passara a dialogar com o movimento negro e outros grupos institucionalizados.

 

O protagonismo era concedido aos líderes religiosos como Íyá Beata de Yemonjá, Íyá Meninazinha de Oxum Íyá Palmira Navarro e Íyá Wanda de Omolu. As reuniões ocorriam nas casas de terreiro que eram verdadeiros pedaços da África na baixada fluminense. O projeto foi considerado um grande ebó que permitia um olhar decolonial pra a situação vivida pela comunidade negra. Os terreiros eram escola de formação para enfrentar a “guerra santa” inventada pelos evangélicos. Muitos militantes se descobriram enquanto negro, se aproximaram da comunidade negra, fizeram uma revisão das próprias vidas e se iniciaram no candomblé.

 

Foto da Internet


Fazer a esquerda debater questões da religião de matriz africana foi um desafio que fez o professor colecionar tensões principalmente com a ala cristã. A exemplo disso temos a então Vereadora Benedita da Silva que era liderança da Associação de Favela do Rio e que rompeu a articulação com a temática. O grupo recebeu apoio de diretórios universitários e tiveram a presença de Chico Mendes no I Encontro do Tradição dos Orixás.


Foto da Internet 

 

Frei David que é um dos mais importantes debatedores na causa racial dentro da igreja católica foi muito criticado e visto com muita desconfiança. Havia o receio de uma inculturação, um novo colonialismo da igreja católica que estava usando elementos da cultura afro-brasileiras em cerimonias religiosas. Poderia ser, mas uma tentativa de descaracterizar a cultura afro trazida pelos escravizados.

 

O professor não poupava críticas aos adeptos da religião de matriz africana e chamava para reflexão os que tinham comportamento ocidentalizado com uma dominação colonial. Debatia sobre visão a dualista de existência como a arena do bem e do mal. Criticava práticas “inventivas” de lideranças que individualizam e centralizam tudo na própria pessoa e não enquanto patrimônio civilizatório e quando ocorre morte do líder o terreiro acaba. Uma outra critica é a do “monopólio de conhecimento religioso” e citou o exemplo o ritual fúnebre do Axexê que se encontrava centralizado nas mãos de poucos sacerdotes.  Parecia ser uma reserva de mercado já que esses serviços litúrgicos se tornaram lucrativos. O que o professor pondera  que tal pratica vai contra a todo o processo civilizatório africano que é a de transmissão de conhecimento.

 

Se tratando de literatura o que tinha disponível na época eram escritos de pessoas brancas e até mesmo euporéias como Pierre Verger, hoje temos uma gama de escritores negros falando sobre a civilização negra. Um livro indicado para a compreensão do afrocentrismo diaspórico é o livro de contos da Mãe Beata de Yemonjá chamado Caroço de Dendê - a sabedoria dos Terreiros.


Mãe Beata de Yemonja


O mais importante era o entendimento da religião de matriz africana e o espaço do terreiro sob o aspecto civilizatório e como espaço antirracista. O oráculo foi usado na função original e os processos desencadeados pelo grupo o seguiam. Quem respondeu foi Sàngó, segundo Mãe Meninazinha seria ele o patrono dessa jornada. A função ontológica do oráculo é organizar, dar direção. Terreio é espaço de visibilidade de visão de mundo Africano, é lugar de pedagogia.

 

Para pensarmos o hoje, devemos nos reportar ao nosso passado. Para Jayro o projeto Tradição dos Orixás é uma experiência viva na qual seus integrantes compartilham memórias, experiências e ideias. 

Foto da Internet

 

O terreiro é o principal lugar de referência de tradição africana, para além da ritualística religiosa. A ancestralidade deve ser reconhecida como caminho de organização de vida e de existência, restituindo assim, o modelo de racionalidade que valoriza o “nós”.

Leiam o livro!






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