Roseane Corrêa |
O livro é uma reflexão sobre a presença do negro na literatura brasileira que é influenciada pelo racismo e pela ausência do processo de transição do ex-escravo/liberto para cidadão. Tendo a língua portuguesa como língua madrastra, os africanos sequestrados para trabalhar em sistema de escravidão no Brasil mantiveram a sua língua mãe nas comunidades de terreiro e Quilombos em forma de resistência.
Na literatura dificilmente se documenta a resistência e as conquistas da população negra. Sob o domínio político e cultural de Portugal a literatura brasileira também foi influenciada. Os escravizados e seus descendentes são utilizados na temática literária pelo viés do preconceito e da comiseração sem complexidade ou humanidade.
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O desejo de uma sociedade branca fazia com que os mestiços negassem a identificação enquanto negro e a brutalidade da violência colonial foi transformada em aceitável e necessário, foi pura “necessidade de mão de obra”.
A antropologia, sociologia e a literatura no Brasil, foram construídas no signo do racismo. Afloravam as manifestações folclóricas dos negros e indígenas, mas não documentavam seus conflitos. Os abolicionistas eram contra a escravidão, mas não eram antirracistas, o pós-abolição na literatura não descrevia a humanidade do negro, a discriminação racial é arma de ataque contra negros na luta por dinheiro e prestígio.
O negro quando escreve se torna protagonista de sua existência e tem a possibilidade de apontar as contradições e consequências do preconceito, todavia a formação do escritor não é tão simples, inclui diferentes elementos que a torna caro como por exemplo o acesso a alfabetização, educação formal, acesso a cultura, idiomas, isolamento físico, pesquisa, equipamento de escrita entre outros que em um país de desigualdade racial onde o negro tem desvantagens sociais e econômicas muitas vezes o inviabiliza grandes e talentos. Assim como o escritor, o leitor negro é um grande provocador de mudança.
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Cuti abre um debate relevante: Negro ou afro ou tanto faz?
É notório que há uma tendência de eliminação do personagem negro que ou morre ou a descendência clareia. A evolução do negro no plano ficcional só pode ocorrer no sentido de tornar-se branco pois a “afro-brasilidade” pode sobreviver sem o negro.
Na hierarquização cultural desvaloriza-se o que vem de África. A estratégia de usar o Afro-brasileiro ou Afro-descendente pode ser lida como uma tentativa de desqualificação e na literatura soa como se fosse um apêndice da literatura africana, como se só aos autores brancos coubessem compor a literatura do Brasil.
Atrelar a literatura negro-brasileira a literatura africana é estratégica para não questionar a realidade brasileira pois literatura africana não combate o racismo brasileiro e não se assume como negra.
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Estrangeiros foram os primeiros que fizeram estudo sobre a presença do negro na literatura e o branco escrevendo sobre o negro minimiza a identidade negra, então a palavra “negro” era destinado aos que perderam a identidade original. O esforço para silenciar a identidade negra perpassou séculos e atingiu o século XXI.
Ser escritor afro-brasileiro ou afro-descendente não precisa necessariamente ser negro ou negro-brasileiro, é importante lembrar que quem não carrega no corpo a herança africana o racismo não o atinge, ser “neto, descendente, bisneto...” de negro e não ter traços negroides, o distancia da verdadeira experiência de ser negro no Brasil.
Quando lemos “poeta negro”, Movimento Negro”, “Frente Negra Brasileira”, “Noite da beleza Negra” sabemos bem qual a descendência e quem é o interlocutor e com certeza não são os “branco só de pele”.
Cuti |
A estética do embranquecimento é muito presente na literatura, argumentos como “cultura não tem cor” é sinônimo de apagamento das contribuições negro e indígenas.
Podemos até achar que escolhemos o que lemos, mas não é bem assim, existem vários filtros e muitos deles não tem a presença do negro e são comandadas por pessoas brancas como o mercado editorial, a linha editorial. o tradutor, o professor, o jornalista, o crítico, os responsáveis pelas escolhas dos livros escolares, os que votam as leis, os donos das livrarias, a publicidade, o biblioteconomista.
A literatura brasileira escrita por brancos que não tem o zelo com a história negra pode reforçar os estereótipos de vida cotidiana, impedir a autoestima do africano escravizado e de sua descendência, pode tenta impor uma harmonia, questionamento ou resistência negra descrito como ameaça, promove ideia de inferioridade racial, desajustamento psíquico e moral, características avesso a beleza, sexualidade desenfreada e paradoxalmente ingênua e passiva. Tudo faz parte de uma construção para justificar a miserabilidade da população negra. Um outro autor resumiu essas caracterizações em: a bela mulata, o negro fiel e o escravo sofredor.
Personalidades notórias como Luiz Gama, Cruz e Souza, Lima Barreto e Maria Firmina Reis, escritores negro-brasileiros, os primeiros a expor seu desconforto ao preconceito racial e a reivindicar a identidade negra. Luiz Gama por exemplo foi o primeiro escritor negro a declarar amor a uma mulher negra. Cruz e Souza flagrou a aversão que os não negros tem com a questão de cor dos Africanos e de seus descendentes. Lima Barreto tem momentos explosivos de indignação, ele identifica o racismo e não se rende. Maria Firmina dos Reis consegue na época mesmo usando narrada pelo prisma de uma senhora branca abolicionista, humanizar o negro.
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Há autores negros que não se apresentavam como tal, adotavam uma linguagem “neutra”, como um processo de auto-censura, o reprimido agindo contra si mesmo.
O medo de vingança do negro é alimentado no imaginário popular através de violências protagonizada por negros, não é lido como resistência.
Em uma sociedade multirracial, todo mundo participa da discriminação: como vítima, algoz, omisso e complemento, como antirracista também.
Escrever um personagem negro exige estudo e preparo para evitar descrever caricaturas, sem humanidade, sem expressividade apenas como adereço do personagem branco ou parte de um cenário, um enfeite, um utensilio doméstico, sem função, sem histórias, sem parentes como se tivessem surgidos do nada, praticamente uma continuidade a destruição familiar realizada pelo colonialismo. O escritor que não estudar fica refém da ingenuidade e da forca da ideologia racista.
Por fim ele chama a atenção que o racismo não da trégua nem para crianças e fala da importância da Lei Nº 10.639/2003 e a literatura que chega nas escolas são escritas por brancos adultos que podem ter posturas ideológicas comprometedoras.
Leiam o livro!
Cuti |
Rose foi perfeita quando fez a seguinte colocação:"Em uma sociedade multirracial, todo mundo participa da discriminação: como vítima, algoz, omisso e complemento, como antirracista também." Nesse contexto cabe a cada um buscar o seu papel. Hoje a causa antirracista é o exercício que busca unidade entre Pretos e Brancos. A literatura Negro-Brasileira nos ajuda a caminhar nesse sentido.
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